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CORO DE CÂMARA EXAUDI
Elas não cantam cha-cha-cha
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
- Brahms , por exemplo.
- Exemplo de quê?
- De tudo o que, na música,
nos entende e nos explica. Você
não ouviu as "Liebeslieder-Walzer" (lindo e estranho nome, aliás:
"Valsas de Canções de Amor")?
- Não, eu nunca vou a concerto de coro.
- Você deve saber o que está
perdendo. Mas também não sabe.
Só o repertório desses cubanos do
Exaudi já valia a viagem à Sala São
Paulo, quarta passada. Quando
alguém canta Brahms e Schumann, a gente... simplesmente
vai. Não há desculpa para não ir. E
depois não deixa de ser curioso
escutar um coro de Cuba que não
canta cha-cha-chas.
- E eles não cantam?
- Cantaram, claro, cantaram...
Depois das maravilhas de Brahms
e Schumann -e Mendelssohn,
também- o repertório dos repertórios, do século dos séculos,
fizeram o previsível e atacaram
um cha-cha-cha. Mania de bis. O
pior é que foi o melhor da noite.
(Para o coro como coro.)
- Imagino. Mas você estava dizendo coisas esquisitas de
Brahms.
- Brahms é o Henry James da
música. Henry James jamais escreveu uma linha que não fosse
plenamente literária, nunca vestiu
só a máscara de contista ou romancista, nunca vacilou. Brahms
é assim. Só escreveu obras-primas. O resto jogou fora.
Veja essas valsas. Foram escritas
para coro e piano a quatro mãos.
O texto vem de uma antologia de
traduções e imitações de canções
populares da Europa, reunidas
por um certo G. F. Daumer, que
era um poeta menor do romantismo alemão. Quer dizer: um gênero musical e uma escolha literária
bem no espírito da prática caseira
burguesa. Existem centenas de
pecinhas assim para coro e piano,
compostas para cantar com os
amigos em casa, como era comum na época.
- Já começa a me dar alergia.
- É porque você, mais uma
vez, não sabe do que está falando.
O maravilhoso, aqui, tem a ver
justamente com a forma como
Brahms pega o que há de mais trivial -valsinhas, corinhos, poeminhas- e faz disso uma revelação do que pode ser o amor, a fantasia... não sei qual é palavra menos errada para essas paixões que
não têm nome, mas que se recolhem todas, para ele, afinal, na
frustração. Se é que você sabe do
que eu estou falando.
- Frustração? Você está falando de Cuba?
- Engraçadinho. Você devia 1)
ter ido ao concerto; e 2) ter visto a
seriedade dos cantores.
- Acredito. Mas afinal: são
bons?
- Eu disse isso?
- Responda à pergunta.
- Têm qualidades. Nem todas
as vozes são um esplendor. E as
pianistas apanharam da partitura.
Mas deixe eu lhe dizer uma coisa:
a música, de qualquer modo, ficou na cabeça, foi um acontecimento.
- Você é sempre tão exagerado.
- Menosprezar é melhor?
- OK. Quantas malditas estrelas?
- Estamos avaliando o concerto, certo? Não a sombra santa de
Johannes Brahms, nem os esforços do coro. Foi regular. A verdade soou por meia hora na meia sala cheia de gente; mas a música foi
maior que os mensageiros. Mais
um exemplo do que estávamos falando no início.
- Exemplo de quê?
- Você não tem jeito, mesmo.
Nunca sabe do que estou falando.
Avaliação:
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