São Paulo, terça-feira, 25 de maio de 2004

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CINEMA

Cinebiografia refaz o percurso do músico, morto em 1990, aos 32 anos; SP sedia hoje sessão que precede a estréia

Filme vai em busca do tempo de Cazuza

DA REPORTAGEM LOCAL

A vida breve de Cazuza (1958-90) seguiu o ritmo que o cantor e compositor quis dar a ela. "Ele dizia que preferia viver dez anos a mil. Pagou um preço muito alto, mas, pelo menos, fez o que queria", diz Lucinha Araújo, mãe do músico e presidente da sociedade Viva Cazuza, que ampara crianças com Aids, doença que vitimou seu filho, aos 32 anos, quando já havia se inscrito como um dos grandes nomes do rock nacional.
A análise sobre a relação de Cazuza com o tempo foi feita por Lucinha num encontro, proposto pela Folha, com a cineasta Sandra Werneck, no momento em que a segunda preparava o roteiro de um filme sobre o músico, a partir do livro testemunhal da primeira ("Cazuza - Só as Mães São Felizes", editora Globo, 402 págs.).
Era junho de 2001, e Sandra travava consigo um embate para encontrar a "leitura própria" capaz de afastar seu filme, co-dirigido pelo fotógrafo Walter Carvalho, do estigma de livro filmado.
"Eu me apaziguei quando finalmente entendi o que era o tempo para o Cazuza. O filme assumiu a levada desse tempo diferente, da maneira como ele encarava a vida", disse Sandra, no último sábado, com filme e malas prontos para voar para São Paulo.
Hoje, a presidente da Sociedade Amigos da Cinemateca, Cosette Alves, recebe cem convidados na Sala Cinemateca, para assistir à primeira exibição de "Cazuza - O Tempo Não Pára". Eis o título definitivo do filme, que teve como possibilidades anteriores "Cazuza - Eu Preciso Dizer que te Amo" e "Cazuza - Ideologia", ambos exemplos dos cursos narrativos que o filme poderia ter seguido, não tivesse Sandra desvendado o enigma de Cazuza e seu tempo.
Acontecimentos históricos dos anos 80 -período em que Cazuza despontou como líder da banda Barão Vermelho, para mais tarde se firmar em carreira solo- pontuam o filme, que estréia nacionalmente no próximo dia 11.
O atentado a bombas no Riocentro, em 1981, e a morte do presidente eleito Tancredo Neves, em 1985, têm na história a função de "momentos que situam a década", de acordo com Sandra.
Além das músicas de Cazuza, que estão quase integralmente incluídas no filme, o espectador ouvirá outros sucessos dos 80, cravados por Angela Ro Ro e Blitz, entre outros.
Mas o objetivo da diretora não foi produzir uma revisão cinematográfica da cena BRock, momento efervescente do rock brasileiro, e sim mirar a vida de "um poeta que ajudou o país a se pensar".
A preocupação com que Lucinha mapeou seus relatos no livro e que gostaria de ver expressa também no filme é a de revelar ao público "um outro Cazuza, não aquele que tirava a calça e mostrava a bunda no palco, que se drogava e ficava louco".
A mãe do músico define o temperamento do filho como "agridoce" e diz que o público talvez não tenha tomado conhecimento desse outro Cazuza, "doce, meigo, carinhoso, familiar, adorado pelos primos, filho amantíssimo, neto queridinho dos avós, rei das empregadas domésticas, defensor das minorias".
Sandra está convencida de que conseguiu levar à tela a ambivalência afetiva de um artista que não deixou de lado nem a doçura nem o amargor quando comunicou à mãe sua doença mortal:
"Alguma coisa tinha que dar errado. Você era costureira, virou dondoca. Papai [o empresário musical João Araújo] era pobre, ficou rico. Eu era a ovelha negra da família, virei ídolo nacional. Bom demais para ser verdade". (SILVANA ARANTES)


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