|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
60° FESTIVAL DE CANNES
Scorsese emociona Cannes em aula magna de cinema
Diretor americano que ganhou Oscar com seu "Os Infiltrados" explica a 2.000 "alunos" motivos que o levaram a ser cineasta
Asma na infância foi um dos seus principais estímulos à paixão por filmes como "Vidas Amargas"; diretor destaca não-linearidade
PEDRO BUTCHER
ENVIADO ESPECIAL A CANNES
Os 60 anos do Festival de
Cannes tiveram um de seus
pontos altos ontem, com a aula-magna proferida por Martin
Scorsese. A Lição de Cinema
faz parte da programação do
festival desde 1991 (a primeira
foi de Francesco Rosi), mas,
neste ano, tomou proporções
especiais. Sabiamente, a organização transferiu o evento da
sala Buñuel, de pouco mais de
300 lugares, para a Debussy,
com 2.000 lugares. Não sobrou
nenhum lugar.
A aula foi guiada pelo crítico
Michel Ciment, da revista "Positif", e contou com a apresentação de trechos de "Caminhos
Violentos", "Touro Indomável", "Depois de Horas", "Cassino" e "Kundun".
Scorsese contou que a forte
asma na sua infância foi a principal responsável por sua cinefilia. "Não podia praticar esportes ou brincar nas ruas, então
uma das poucas coisas que
meus pais podiam fazer comigo
era me levar ao cinema."
Os filmes representaram
também sua ligação emocional
com os pais. "Como não conversávamos muito, os sentimentos que vivi com meus pais
foram experimentados por
meio dos filmes que eles me levaram. Era nossa conexão."
Com "Vidas Amargas", de
Elia Kazan, a relação com o cinema ganhou outra dimensão.
"Esse foi um dos primeiros filmes que vi obsessivamente.
Perdi a conta de quantas vezes
o vi. Fui seguindo o filme pela
cidade, conforme ele mudava
de sala", conta ele.
Aos poucos, descobriu o cinema como construção de linguagem. "Comecei a tomar consciência dos movimentos de câmera nos musicais, e acho que
isso, até hoje, me leva a tratar
cada seqüência de um filme
meu como uma peça musical."
Com o primeiro longa-metragem, produzido por Roger
Corman, aprendeu a trabalhar
com todas as restrições do cinema. "Corman me ensinou a fazer um filme em 24 dias."
A natureza obsessiva, ele
acredita, é inerente a quem opta por uma atividade cara e
complexa. "Para fazer um filme
você precisa ser um pouco maluco, precisa considerar isso
mais importante que pagar as
contas e ter uma vida pessoal."
Sobre a violência, o cineasta
disse: "A região onde cresci em
Nova York era bem violenta. E
a violência é uma coisa séria,
com ramificações pessoais
muito graves. Mas não é apenas
mostrar a violência, e sim a tensão que ela gera".
O diretor deu como exemplo
seu "Os Bons Companheiros".
"Na cena em que Joe Pesci espanca um homem no bar, não
filmei em closes, no clássico
campo e contracampo, mas em
planos gerais. Você percebe a
tensão pela linguagem corporal
das pessoas em cena."
Scorsese afirmou que toda a
sua obra nasce de uma tensão
entre a narrativa clássica e a
vontade de subvertê-la. "Adoro
filmes estritamente narrativos,
mas, quando vou fazê-los, percebo que não tenho tanto interesse", contou ele.
Sobre seus problemas em
contar uma história linearmente, Scorsese citou como
exemplo "Os Infiltrados", que
lhe deu o Oscar de melhor diretor. "Confesso que tive enormes dificuldades para narrar
partes dessa história. Evoquei
Don Siegel e Hitchcock: "Deus,
como vocês conseguiam transmitir essa informação de forma
tão clara?"." Mesmo os mestres
têm seus pontos de fraqueza.
Texto Anterior: Crítica/DVD: Tim Maia diverte o público e se diverte em baile global Próximo Texto: Crítica/"O Tigre e a Neve": Populismo estraga filme de Benigni Índice
|