São Paulo, domingo, 25 de maio de 2008

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"Tirei o folhetim de camisa-de-força"

Para Aguinaldo Silva, "Duas Caras", que termina neste sábado, foi sua melhor novela e "chutou o pau da barraca das convenções"

Novelista vê preconceito da mídia em relação à TV, veículo de "importância transcendental na vida brasileira': "Não há críticos"


LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Não teve jeito: apesar de seus personagens ímpares (galã negro favelado, herói "torto" -Marconi Ferraço- e protagonista cheio de nuances, "sem nada de melodramático", como observa o doutor em teledramaturgia Mauro Alencar), "Duas Caras" chega ao fim no próximo sábado com histórias de bastidores mais quentes do que a trama propriamente dita.
Troca de farpas com a imprensa via blog e afastamento temporário do comando da novela, além de um enredo sobre filha bastarda semelhante ao do seriado "Brothers and Sisters", colocaram o autor Aguinaldo Silva na ribalta por boa parte dos oito meses em que o programa ficou no ar.
Apesar disso, em entrevista por e-mail à Folha, ele avalia que "Duas Caras" foi sua melhor novela, tirando "o folhetim de uma camisa-de-força". Também reclama do que vê como preconceito da mídia em relação à TV ("não existem críticos") e afirma que a decisão de mostrar ou não o tal "beijo gay" entre Bernardinho (Thiago Mendonça) e Carlão (Gui Palhares) é da Globo.

 

FOLHA - Que balanço você faz de "Duas Caras"? O que funcionou e o que gostaria de ter feito diferente?
AGUINALDO SILVA
- Um balanço altamente positivo. Durante os oito meses em que esteve no ar, "Duas Caras" foi o programa de maior audiência da televisão brasileira. Eu faria tudo de novo e com o mesmo prazer que senti agora. Não faria nada diferente nessa que, para mim, foi a minha melhor novela.

FOLHA - Quem você apontaria como a revelação da novela?
SILVA
- Não é que eles sejam estreantes; são atores já conhecidos. Mas eu apontaria o trio Marjorie Estiano-Dalton Vigh-Alinne Moraes como revelação. Pois "Duas Caras" teve o privilégio de mostrar o quanto esses três atores amadureceram e se tornaram grandes. Não posso deixar de citar dois menos experientes: Thiago Martins e Juliana Alves. Ela calou de uma vez por todas o preconceito (meu, inclusive) em relação às pessoas que saíram do "BBB".

FOLHA - No início deste ano, você afirmou, em seu blog: "Em "Duas Caras", em vez de ibope, o que eu queria era dar a minha contribuição para a renovação do gênero". Deu?
SILVA
- Eu tenho a veleidade de achar que, com "Duas Caras", tirei o folhetim de uma camisa-de-força, feita à base de regras pré-estabelecidas, que vinha sufocando o produto e tornando-o cada vez menos interessante. "Duas Caras" não foi um folhetim, e sim uma crônica escrita no calor da hora. Ela chutou o pau da barraca das convenções e, por isso, causou certo estranhamento no começo. Mas, da metade para o fim, como esperava, os telespectadores embarcaram na proposta.

FOLHA - Em novembro do ano passado, ao tirar férias da novela, você disse que talvez assim escapasse "do assassinato cultural do qual estava prestes a ser vítima". Os homicidas são os críticos? Se não, o que seria esse assassinato? Por que, afinal, decidiu tirar férias?
SILVA
- Primeiro: não existem críticos de televisão. Embora o veículo tenha uma importância transcendental na vida brasileira, é considerado "pequeno" demais pela mídia para merecer algum tipo de crítica. Para compensar isso, como precisa falar de um assunto que é sempre tão importante na vida das pessoas, a mídia prefere seguir pelo caminho mais fácil do disse-me-disse, do boato, do comentário maldoso e da fofoca. Quando eu falo em "assassinato cultural", é isso: a norma segundo a qual é preciso desmerecer o trabalho dos profissionais de televisão a qualquer preço, nem que seja à custa de uma invasão descarada da vida pessoal deles. Decidi tirar férias porque sabia que isso causaria um trauma quase impossível de superar no andamento da novela, e assim dei o meu recado: "Não me encham o saco!".

FOLHA - O uso de seu blog para replicar comentários de jornalistas e divulgar detalhes sobre capítulos futuros, somado à polêmica em torno de seu afastamento temporário da novela, fez de você o protagonista da novela? Ela foi mais interessante na internet do que na televisão?
SILVA
- A novela na internet foi alimentada o tempo todo pelo grande interesse em torno da novela na TV. Da mesma forma, o noticiário sobre "Duas Caras" foi alimentado por esse interesse. O que eu fiz no blog é novo e deveria ser saudado como tal. Mas não: por toda a parte, houve choro e ranger de dentes. O fato de ser o autor o primeiro a dar as novidades sobre sua novela deixou muita gente em polvorosa. Fui acusado de "querer aparecer mais do que a novela", mas isso não é verdade.

FOLHA - Você disse que escreveria a cena; para a direção da TV Globo, ela não deverá ser gravada. Afinal, haverá um "beijo gay" no fim de "Duas Caras"?
SILVA
- Não compete a mim responder a essa pergunta, e sim à TV Globo. A cena foi escrita. E eu a cerquei de cuidados para que viesse a ser realizada. Não é um beijo sensual: os dois se beijam, atendendo aos pedidos dos convidados, no final da cerimônia em que assinam em cartório um contrato de união civil. O beijo é aplaudido pelos presentes, a maioria dos personagens da novela. Eu escrevi a cena porque me senti na obrigação de escrevê-la. Mas atenção: o autor não é o dono da novela; o dono da novela é quem a produz -a TV Globo. E se alguma coisa deve ir ao ar ou não, é só ela quem decide, sem que isso venha a me provocar qualquer trauma.

FOLHA - Pretende escrever outras novelas ou gostaria de se dedicar a projetos de duração menor, como minisséries e seriados?
SILVA
- Eu adoro escrever novelas. E dessa vez, com toda essa brigalhada em torno de "Duas Caras", me diverti mais do que nunca. Cada "chulapada" que dei em alguém no blog ou em entrevistas foi justa e me deixou feliz da vida. Por causa disso, nunca fui tão feliz em toda a minha vida. Portanto, respondendo à pergunta: sim, vou escrever outras novelas. E faço desde já uma promessa: nelas, pretendo ser mais "nojento" e mais "arrogante" ainda.


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