|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Tirei o folhetim de camisa-de-força"
Para Aguinaldo Silva, "Duas Caras", que termina neste sábado, foi sua melhor novela e "chutou o pau da barraca das convenções"
Novelista vê preconceito da mídia em relação à TV, veículo de "importância transcendental na vida brasileira': "Não há críticos"
LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL
Não teve jeito: apesar de seus
personagens ímpares (galã negro favelado, herói "torto"
-Marconi Ferraço- e protagonista cheio de nuances, "sem
nada de melodramático", como
observa o doutor em teledramaturgia Mauro Alencar),
"Duas Caras" chega ao fim no
próximo sábado com histórias
de bastidores mais quentes do
que a trama propriamente dita.
Troca de farpas com a imprensa via blog e afastamento
temporário do comando da novela, além de um enredo sobre
filha bastarda semelhante ao
do seriado "Brothers and Sisters", colocaram o autor Aguinaldo Silva na ribalta por boa
parte dos oito meses em que o
programa ficou no ar.
Apesar disso, em entrevista
por e-mail à Folha, ele avalia
que "Duas Caras" foi sua melhor novela, tirando "o folhetim de uma camisa-de-força".
Também reclama do que vê como preconceito da mídia em
relação à TV ("não existem críticos") e afirma que a decisão
de mostrar ou não o tal "beijo
gay" entre Bernardinho (Thiago Mendonça) e Carlão (Gui
Palhares) é da Globo.
FOLHA - Que balanço você faz de
"Duas Caras"? O que funcionou e o
que gostaria de ter feito diferente?
AGUINALDO SILVA - Um balanço
altamente positivo. Durante os
oito meses em que esteve no ar,
"Duas Caras" foi o programa de
maior audiência da televisão
brasileira. Eu faria tudo de novo e com o mesmo prazer que
senti agora. Não faria nada diferente nessa que, para mim, foi a
minha melhor novela.
FOLHA - Quem você apontaria como a revelação da novela?
SILVA - Não é que eles sejam estreantes; são atores já conhecidos. Mas eu apontaria o trio
Marjorie Estiano-Dalton Vigh-Alinne Moraes como revelação.
Pois "Duas Caras" teve o privilégio de mostrar o quanto esses
três atores amadureceram e se
tornaram grandes. Não posso
deixar de citar dois menos experientes: Thiago Martins e Juliana Alves. Ela calou de uma
vez por todas o preconceito
(meu, inclusive) em relação às
pessoas que saíram do "BBB".
FOLHA - No início deste ano, você
afirmou, em seu blog: "Em "Duas
Caras", em vez de ibope, o que eu
queria era dar a minha contribuição
para a renovação do gênero". Deu?
SILVA - Eu tenho a veleidade de
achar que, com "Duas Caras",
tirei o folhetim de uma camisa-de-força, feita à base de regras
pré-estabelecidas, que vinha
sufocando o produto e tornando-o cada vez menos interessante. "Duas Caras" não foi um
folhetim, e sim uma crônica escrita no calor da hora. Ela chutou o pau da barraca das convenções e, por isso, causou certo estranhamento no começo.
Mas, da metade para o fim, como esperava, os telespectadores embarcaram na proposta.
FOLHA - Em novembro do ano passado, ao tirar férias da novela, você
disse que talvez assim escapasse
"do assassinato cultural do qual estava prestes a ser vítima". Os homicidas são os críticos? Se não, o que
seria esse assassinato? Por que, afinal, decidiu tirar férias?
SILVA - Primeiro: não existem
críticos de televisão. Embora o
veículo tenha uma importância
transcendental na vida brasileira, é considerado "pequeno"
demais pela mídia para merecer algum tipo de crítica. Para
compensar isso, como precisa
falar de um assunto que é sempre tão importante na vida das
pessoas, a mídia prefere seguir
pelo caminho mais fácil do disse-me-disse, do boato, do comentário maldoso e da fofoca.
Quando eu falo em "assassinato
cultural", é isso: a norma segundo a qual é preciso desmerecer o trabalho dos profissionais de televisão a qualquer
preço, nem que seja à custa de
uma invasão descarada da vida
pessoal deles. Decidi tirar férias
porque sabia que isso causaria
um trauma quase impossível de
superar no andamento da novela, e assim dei o meu recado:
"Não me encham o saco!".
FOLHA - O uso de seu blog para replicar comentários de jornalistas e
divulgar detalhes sobre capítulos futuros, somado à polêmica em torno
de seu afastamento temporário da
novela, fez de você o protagonista
da novela? Ela foi mais interessante
na internet do que na televisão?
SILVA - A novela na internet foi
alimentada o tempo todo pelo
grande interesse em torno da
novela na TV. Da mesma forma, o noticiário sobre "Duas
Caras" foi alimentado por esse
interesse. O que eu fiz no blog é
novo e deveria ser saudado como tal. Mas não: por toda a parte, houve choro e ranger de
dentes. O fato de ser o autor o
primeiro a dar as novidades sobre sua novela deixou muita
gente em polvorosa. Fui acusado de "querer aparecer mais do
que a novela", mas isso não é
verdade.
FOLHA - Você disse que escreveria a
cena; para a direção da TV Globo, ela
não deverá ser gravada. Afinal, haverá um "beijo gay" no fim de "Duas
Caras"?
SILVA - Não compete a mim
responder a essa pergunta, e
sim à TV Globo. A cena foi escrita. E eu a cerquei de cuidados para que viesse a ser realizada. Não é um beijo sensual: os
dois se beijam, atendendo aos
pedidos dos convidados, no final da cerimônia em que assinam em cartório um contrato
de união civil. O beijo é aplaudido pelos presentes, a maioria
dos personagens da novela. Eu
escrevi a cena porque me senti
na obrigação de escrevê-la. Mas
atenção: o autor não é o dono da
novela; o dono da novela é
quem a produz -a TV Globo. E
se alguma coisa deve ir ao ar ou
não, é só ela quem decide, sem
que isso venha a me provocar
qualquer trauma.
FOLHA - Pretende escrever outras
novelas ou gostaria de se dedicar a
projetos de duração menor, como
minisséries e seriados?
SILVA - Eu adoro escrever novelas. E dessa vez, com toda essa brigalhada em torno de
"Duas Caras", me diverti mais
do que nunca. Cada "chulapada" que dei em alguém no blog
ou em entrevistas foi justa e me
deixou feliz da vida. Por causa
disso, nunca fui tão feliz em toda a minha vida. Portanto, respondendo à pergunta: sim, vou
escrever outras novelas. E faço
desde já uma promessa: nelas,
pretendo ser mais "nojento" e
mais "arrogante" ainda.
Texto Anterior: Programa exibe vida e morte no mar Próximo Texto: Frase Índice
|