São Paulo, segunda, 25 de maio de 1998

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Festival trouxe Godzila gótico e novata de 18 anos

LEON CAKOFF
enviado especial a Cannes

A safra cinematográfica é das boas. O 51º Festival de Cannes ofereceu imagens animadoras. Muitos filmes trabalham o pessimismo do fim do milênio.
Mas é a mesma virada de século que faz as imagens serem possíveis através de qualquer registro, da mais ordinária câmera de vídeo Hi-8 -"Festen" (Festa de Família), do dinamarquês Thomas Vinterberg, Prêmio do Júri- aos mais sofisticados equipamentos e estúdios, como em "Tango", do espanhol Carlos Saura.
Mas o melhor, por unanimidade do júri, é mesmo o já clássico "Mia Eoniotita Ke Mia Mera" (A Eternidade e um Dia), do grego Theo Angelopoulos.
O cineasta é o grande mestre do impacto visual e do refinamento técnico entre todos os filmes vistos neste ano.
Com poucos elementos e um elegante passeio de câmera em ritmo lento, segue-se um escritor (Bruno Ganz, magistral), em fim de vida, remoendo o passado e suas melhores lembranças.
Diz-se que todos os cineastas se repetem. Mas há quem se repita melhor do que os outros. Angelopoulos, com este "Mia Eoniotita Ke Mia Mera", volta a incomodar com o seu eterno tema das fronteiras balcânicas e a busca de uma paternidade perdida.
O escritor interrompe sua viagem para ajudar um menino refugiado da Albânia. Atônitos, como espectadores, entendemos que a crise do escritor tem a ver com as monstruosidades que a história recente nos oferece.

A dança do tango
"Tango", de Carlos Saura, tem a habitual colaboração do diretor de fotografia italiano Vittorio Storaro (Grande Prêmio Técnico).
O filme é cheio de recortes e cores quentes. Saura faz ver a política do infame passado militar argentino com ótimos tangos compostos por Lalo Schifrin. O samba está nos planos futuros do cineasta.

Mascote do festival
Ela tem 18 anos, deixou os estudos aos 16 e foi a miss simpatia do festival, com o seu impressionante filme "A Maçã". Samira Makhmalbaf, filha do famoso cineasta iraniano Mohsen Makhmalbaf ("Gabbeh", "Salve o Cinema", "Um Instante de Inocência"), segue a escola rebelde do pai.
Deixou a escola por não aguentar a discriminação contra mulheres no Irã. Em compensação, a França a adotou. Foi declarada mascote do festival pela imprensa francesa e ganhou uma bolsa para aprender francês na universidade de Sorbonne.
Samira já estava no cinema desde os cinco anos, quando apareceu no filme "O Ciclista", que deu notoriedade internacional ao seu pai.
Para conseguir rodar "A Maçã", enganou o pai no começo, pedindo-lhe negativos do seu estoque. Para não assustá-lo, disse que iria rodar um curta. Assim, foi lhe subtraindo aos poucos o material de que precisava.
O notável nesta escola primitiva de cinema é a simplicidade de recursos e de temática que resulta em diretas e emocionantes parábolas sobre tirania e liberdade.

Glam Rock
Foi a fervura máxima do festival, com o rock dos anos 70, overdose de androgenia e uma indisfarçável inspiração em David Bowie.
É "Velvet Goldmine" (prêmio de melhor contribuição artística), do americano Todd Haynes. A sexualidade (gay) está no subtexto de todo o filme musical. Felizmente não a droga.

Godzila
O inevitável monstro japonês volta gótico. É tanto efeito sonoro e tensão que a dor de cabeça ataca logo na primeira metade do filme. Entende-se porque foi escolhido para fechar o festival. Há muita referência à França, além de ter Jean Reno num dos papéis principais.



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