São Paulo, segunda, 25 de maio de 1998

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ANÁLISE
Cinema de autor foi aposta vitoriosa

do enviado a Cannes

A disputa pela Palma de Ouro de Cannes 98 não conheceu nenhuma obra-prima, mas superou de longe a média do ano passado. Ao menos metade dos concorrentes era interessante e consistente. Não enche uma mão o número de escolhidos imperdoáveis.
A ênfase no cinema de autor, em contraponto à eficiência da máquina hollywoodiana, saiu desta vez vitoriosa. Irregulares à parte, alguns dos concorrentes exibiram obras que aprofundam e redirecionam suas pesquisas estéticas. É o caso notadamente de Hou Hsiao-Hsien ("Flores de Shanghai") e Tsai Ming-Ling ("O Buraco").
Outros adicionaram apenas um novo e coerente capítulo à sua filmografia. Theo Angelopoulos ("Mia Eoniotita Ke Mia Mera") e Ken Loach ("My Name Is Joe") foram os mais felizes neste grupo.
Os novatos no clube dos concorrentes superaram as expectativas. Erick Zonca ("A Vida Onírica dos Anjos") se insere na forte tradição de narradores intimistas do cinema francês. O dinamarquês Thomas Vinterberg ("Festa de Família") revelou um domínio de ritmo e tensão mais que promissor.
A exuberância visual de mais um filme de Todd Haynes ("Velvet Goldmine") confirma-o entre os raros cineastas sólidos surgidos na cena independente americana da última década.
O grande derrotado foi Lars von Trier. Fracassou retumbantemente sua tentativa de ditar a pauta de discussões do festival. O improvisado "Os Idiotas" acabou sendo contraproducente para a discussão do manifesto "Dogma-95".
Houve um inequívoco uso oportunista do panfleto no festival. Seu decálogo estético retoma propostas neo-realistas, erroneamente creditando-as aos "cinemas novos" dos anos 60.
Em oposição à empostação do cinema industrial americano ou internacional, "Dogma-95" faz uma defesa romântica e ingênua da espontaneidade. Muito mais eficientes, na mesma linha, têm sido os filmes de Mohsen Makhmalbaf, Nanni Moretti e Walter Salles.
Cannes 98 exibiu ainda um novo mapa do cinema internacional. O festival foi ineficaz em detectar os sinais de vida no planeta Hollywood, mas a produção independente americana mostrou sua força com "Velvet Goldmine" e "Happiness" de Todd Solondz (o melhor filme da Quinzena dos Realizadores e provavelmente a isolada obra-prima de todo o festival).
O cinema italiano protagonizou o grande retorno do festival. "La Vita È Bella", de Roberto Begnini, colheu o mais caloroso e extenso aplauso nas sessões oficiais. É o símbolo maior da retomada.
A produção alsiática retomou o elevado patamar de um par de anos atrás. Outro regresso marcante foi da América Latina. "O Evangelho das Maravilhas", do mexicano Arturo Ripstein, merecia uma vitrine mais nobre que a mostra paralela Um Certo Olhar. "Coração Iluminado" não deu vexame, ficando a nota mais fraca para o retrógrado "A Vendedora de Rosa", do colombiano Victor Gabíria.
Nada de novo veio da Oceania. Nem isso podemos falar da África. Lembrou-se de sua existência apenas devido à exibição, na Quinzena, de "A Vida sobre a Terra", de Abderrahmane Sissako, de Mali, um dos episódios da telessérie "2000 Visto pela Arte". É outra moda aposentada pela Croisette. Um dia volta. (AL)



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