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ANÁLISE
Cinema de autor foi aposta vitoriosa
do enviado a Cannes
A disputa pela Palma de Ouro
de Cannes 98 não conheceu nenhuma obra-prima, mas superou de longe a média do ano passado. Ao menos metade dos concorrentes era interessante e consistente. Não enche uma mão o
número de escolhidos imperdoáveis.
A ênfase no cinema de autor,
em contraponto à eficiência da
máquina hollywoodiana, saiu
desta vez vitoriosa. Irregulares à
parte, alguns dos concorrentes
exibiram obras que aprofundam
e redirecionam suas pesquisas
estéticas. É o caso notadamente
de Hou Hsiao-Hsien ("Flores de
Shanghai") e Tsai Ming-Ling
("O Buraco").
Outros adicionaram apenas
um novo e coerente capítulo à
sua filmografia. Theo Angelopoulos ("Mia Eoniotita Ke Mia
Mera") e Ken Loach ("My Name Is Joe") foram os mais felizes
neste grupo.
Os novatos no clube dos concorrentes superaram as expectativas. Erick Zonca ("A Vida
Onírica dos Anjos") se insere na
forte tradição de narradores intimistas do cinema francês. O dinamarquês Thomas Vinterberg
("Festa de Família") revelou
um domínio de ritmo e tensão
mais que promissor.
A exuberância visual de mais
um filme de Todd Haynes
("Velvet Goldmine") confirma-o entre os raros cineastas sólidos surgidos na cena independente americana da última década.
O grande derrotado foi Lars
von Trier. Fracassou retumbantemente sua tentativa de ditar a
pauta de discussões do festival. O
improvisado "Os Idiotas" acabou sendo contraproducente para a discussão do manifesto
"Dogma-95".
Houve um inequívoco uso
oportunista do panfleto no festival. Seu decálogo estético retoma
propostas neo-realistas, erroneamente creditando-as aos
"cinemas novos" dos anos 60.
Em oposição à empostação do
cinema industrial americano ou
internacional, "Dogma-95" faz
uma defesa romântica e ingênua
da espontaneidade. Muito mais
eficientes, na mesma linha, têm
sido os filmes de Mohsen Makhmalbaf, Nanni Moretti e Walter
Salles.
Cannes 98 exibiu ainda um novo mapa do cinema internacional. O festival foi ineficaz em detectar os sinais de vida no planeta Hollywood, mas a produção
independente americana mostrou sua força com "Velvet
Goldmine" e "Happiness" de
Todd Solondz (o melhor filme
da Quinzena dos Realizadores e
provavelmente a isolada
obra-prima de todo o festival).
O cinema italiano protagonizou o grande retorno do festival.
"La Vita È Bella", de Roberto
Begnini, colheu o mais caloroso
e extenso aplauso nas sessões
oficiais. É o símbolo maior da retomada.
A produção alsiática retomou
o elevado patamar de um par de
anos atrás. Outro regresso marcante foi da América Latina. "O
Evangelho das Maravilhas", do
mexicano Arturo Ripstein, merecia uma vitrine mais nobre que
a mostra paralela Um Certo
Olhar. "Coração Iluminado"
não deu vexame, ficando a nota
mais fraca para o retrógrado "A
Vendedora de Rosa", do colombiano Victor Gabíria.
Nada de novo veio da Oceania.
Nem isso podemos falar da África. Lembrou-se de sua existência
apenas devido à exibição, na
Quinzena, de "A Vida sobre a
Terra", de Abderrahmane Sissako, de Mali, um dos episódios
da telessérie "2000 Visto pela
Arte". É outra moda aposentada
pela Croisette. Um dia volta.
(AL)
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