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ARTES PLÁSTICAS
Brasil recebe exposição com 83 gravuras do mestre holandês, um terço de toda a sua produção
Rastros de Rembrandt
CASSIANO ELEK MACHADO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
Estão longe dos manicômios os
historiadores que afirmaram que
o primeiro artista moderno, quase 300 anos antes do modernismo, foi Rembrandt van Rijn.
A tese defendida por críticos de
peso, como o húngaro-britânico
Arnold Hauser, pode não ser consensual, mas ela ganha corpo rapidamente quando se está frente a
um conjunto de obras do mestre
holandês.
Esta semana o Brasil vai ter uma
dessas raras oportunidades. Começa amanhã no Centro Cultural
Banco do Brasil de Brasília, e segue em setembro para o CCBB de
São Paulo, a mostra "Rembrandt
e a Arte da Gravura".
Não é uma exposição "amostra
grátis", não. Estão penduradas no
prédio comprido de Oscar Niemeyer 83 gravuras de Rembrandt,
quase um terço de sua produção
completa nessa técnica.
As obras vêm da casa do artista.
São gravuras do museu Rembrandthuis (A Casa de Rembrandt), em Amsterdã, prédio no
qual ele viveu por 20 anos e onde
mora hoje a maior coleção de suas
gravuras.
Menos conhecidas no Brasil do
que suas pinturas, essas impressões em série não são menos importantes. Elas, justamente, dão
conta do modernismo avant-garde do artista nascido em Leiden,
em 1606, e morto em Amsterdã
em 1669.
A opinião é do "rembrandtófilo" holandês Ed de Heer, curador
da exposição juntamente com o
compatriota radicado em São
Paulo Pieter Tjabbes.
"Em suas gravuras, Rembrandt
mostra seu lado mais radicalmente experimental", diz à FolhaNM
De Heer. O diretor do museu
Rembrandthuis, que está no Brasil para a abertura da exposição,
afirma que antes de Rembrandt a
gravura era uma técnica predominantemente de reprodução,
"do mesmo modo que usamos fotografias hoje em dia". "Ele foi dos
primeiros artistas que trabalharam a gravura como um meio artístico."
A marca mais forte disso Rembrandt gravou na história com o
instrumento chamado de ponta-seca. O aparato usado para entalhar as chapas de cobre com as
quais se imprime as gravuras não
foi invenção de Rembrandt. Albrecht Dürer, talvez o primeiro
grande gravador da história, já
utilizava essa espécie de agulha
com ponta afiada. Mas ninguém a
usava como o holandês.
Com combinações pouco
usuais de ponta-seca e buril, outro instrumento de gravar, mais
utilizado, Rembrandt operou milagres, criando texturas e áreas de
claros-escuros inéditas na história
da arte.
Por trás disso, havia claro os talentos imbatíveis de seus olhos e
traços, mas também uma série de
desenvolvimentos técnicos.
Ele inovou no tipo de verniz que
besuntava nas chapas antes de
gravar, solução pastosa que dava
mais liberdade de desenho, mudou as concentrações dos ácidos
nos quais mergulhava as placas de
cobre, fazendo com que a corrosão mais lenta deixasse seus traços mais fiéis, e experimentou
com farta variedade de papéis.
"Rembrandt deve ter sido o único artista ocidental a usar papel
japonês no século 17. Sabemos
disso muito bem por que a casa
que comercializava esses papéis
ainda existe, e eles têm documentadas as quantidades que traziam
do Japão. Não era muita coisa.
Quase tudo ia para Rembrandt",
diz Ed de Heer.
O dinheiro para essas extravagâncias, como a importação de
papéis amarelos e cinzas, muito
caros na época, vinha de duas fontes. Rembrandt foi um artista valorizado em vida. Havia muito
mais demanda pelos seus retratos
do que mercado. Não conseguia
fazer tantos quantos os que lhe solicitavam.
Mas foi quando casou-se com
Saskia van Uylenburgh, de família
poderosa de Amsterdã, que seu
cofre ganhou mais conteúdo, que
ele esbanjava em uma coleção de
gravuras de outros artistas que
chegou a ter 10 mil peças.
"Ele chegou a pagar o salário de
um ano de um trabalhador da
época por uma gravura", conta
De Heer.
Das histórias anedóticas que
rondam qualquer gênio havia
uma que afirmava que o artista
chegou a desembolsar boas quantias por obras dele mesmo, das
quais ele não tinha guardado cópia.
A mais famosa delas, e uma de
suas obras-primas na gravura, é a
obra "Cristo Pregando", que é conhecida mundialmente como "A
Gravura de Cem Florins". A história que se conta desde o século 18
é que Rembrandt teria pago esse
valor em um leilão para comprar
uma boa impressão de sua gravura.
Seja lá como for, um exemplar
dessa obra feita entre 1643 e 1649
-veja quanto tempo ele podia levar para fazer uma gravura- está
na exposição. "Cristo Pregando",
aliás, divide a mesma parede com
outros dos destaques máximos
tanto da gravura de Rembrandt
quanto da exposição.
Ao seu lado, estão "Cristo Apresentado ao Povo", "Cristo Curando os Doentes", "Ressureição de
Lázaro" e dois estágios diferentes
do espantoso "As Três Cruzes".
Não é só entre as obras religiosas, um dos dez núcleos da exposição, que estão as obras mais importantes de Rembrandt, quase
todas elas à mostra no Brasil.
Rembrandt era um auto-retratista compulsivo. Se desenhou,
pintou e gravou como poucos artistas da história.
Em "Pintura Holandesa -1600-1800" (lançado por aqui pela Cosac & Naify), o historiador Seymour Slive classifica a prática de
auto-retratos de Rembrandt como o "diário do artista". Ao longo
de 45 anos ele fez cerca de 80 auto-retratos. Um dos melhores de todos é a gravura "Auto-retrato
Apoiado num Muro de Pedra",
que está na mostra.
"É um dos poucos auto-retratos
formais que ele fez em gravura. E
no ano em questão, 1639, ele estava no pico de sua carreira", anota
De Heer.
O curador também pede que o
público preste atenção nas paisagens de Rembrandt. "Ele pintou
raríssimas paisagens. Nas gravuras ele mostra grande destreza para esse tema."
O Rembrandt pintor, explica o
curador, era muito menos versátil
do que o gravador. "Em suas gravuras, ele trabalhou com um número muito maior de temas. Como pintor, Rembrandt era um artista historiador. Pinturas históricas eram as mais difíceis de ser feitas, por isso ele queria ser um. Na
gravura ele se soltava."
As amostras na exposição são
muitas. Mendigos, que fazem
lembrar os que Francisco Goya
pintaria séculos depois, nus, como o precioso "Júpiter e Antíope", cenas alegóricas e até uma
curiosa natureza-morta de uma
concha estão no CCBB. O generoso corpus de gravuras está complementado pela exibição de uma
matriz de cobre talhada por Rembrandt.
Por fim, há um duvidoso "antes
e depois" do mestre. Além das 83
obras de Rembrandt, estão na exposição um irregular conjunto de
30 trabalhos feitos por predecessores e sucessores de Rembrandt.
Vale para dar uma espiada em
uma divertida peça de Picasso,
que, como bom experimentalista,
ficou fascinado pela gravuras do
mestre de Leiden.
"Rembrandt e a Arte da Gravura" esteve antes no Museu de Bellas Artes de Buenos Aires. Ed de
Heer joga pimenta na velha disputa Brasil-Argentina: "Lá foram
180 mil visitantes à mostra. Quero
ver quantas virão no Brasil".
REMBRANDT E A ARTE DA GRAVURA
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil de
Brasília (tel. 0/xx/61/310-7081). Quando:
de amanhã até 4 de agosto (no CCBB-SP
de 7/9 a 3/11). Quanto: entrada franca
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