São Paulo, sábado, 25 de junho de 2005

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Nelson de Oliveira e Marcelino Freire lançam novos livros em que destacam miséria nacional

Brasil em convulsão

Marlene Bergamo/Folha Imagem
O escritor Nelson de Oliveira, que lança seu terceiro romance


JULIÁN FUKS
DA REPORTAGEM LOCAL

E, no oitavo dia, fez-se o caos. Um cano d'água se rompeu, as ruas se encheram de caminhões, os semáforos falharam, os carros se alinharam em grandes filas. Horas mais tarde, o apagão. Prédios e casas mergulharam em trevas e balbúrdia. Antes ou depois, uma chacina, um estupro, um roubo, o incesto. "A cidade parece estar em pleno processo de autodestruição." Vivemos o dia em que o Diabo tentou destruir tudo o que Deus havia criado.
O artífice desse caos, para além do senhor das trevas, é o pacato Nelson de Oliveira, nascido em Guaíra, interior de SP. Aos 17, conheceu a capital, passando a habitá-la. Agora, tendo suportado por mais de 20 anos suas mazelas, lança a vingança: "O Oitavo Dia da Semana", seu terceiro romance.
Uma estética do caos? Não, ele a nega: "A realidade da cidade, das favelas, pode ser vista como bela, trabalhando a estética da fome e da violência, mas um dos papéis do escritor é mostrar que isso é feio mesmo". No romance, percorrendo o caos e a feiúra, embora inconscientes dela, estão três irmãos, pretensos artistas, que abandonam o confortável apartamento em bairro rico para morar em um cortiço. "Crêem ainda naquela velha ladainha de que precisam entrar em contato com a gente simples, falar a língua do povo."
O cenário, uma São Paulo deturpada por uma colagem de diversas metrópoles, mostra-se duro. "A cidade corrompe, principalmente porque os seus habitantes estão corrompidos, mesmo quando não se dão conta", diz.
A velha ladainha, fruto de uma das tantas "filosofias arcaicas" que Oliveira diz presentes no texto, cobra seu preço. O contato que se estabelece entre os irmãos e os moradores, com diálogos sempre truncados, resulta em mais infortúnios. Oliveira recusa-se a ver a literatura como entretenimento. Para ele, a função do romance é inquietar. "Se não há inquietação ou provocação, se há apenas o deleite de abrir um livro na praia e se divertir, não é literatura."
Para produzir esse efeito, abre mão da linearidade. O romance se desenrola a partir de uma bifurcação, entre os irmãos que se mudam e o resto da família, à qual só cabe viver a desagregação. Os capítulos se revezam, sem simetria, entre os personagens; são diversos os narradores. Oliveira postula o romance como arte arcaica. "Simplesmente narrar uma história e criar tipos psicológicos é um modo pobre de fazer literatura."
Aprovando a metáfora do argentino Ernesto Sabato, de que o romance seria um continente de pântanos a ser atravessado para chegar a um lugar encantador, Oliveira estabelece a ressalva que define seu livro: "Eu e meus personagens atravessamos pântanos, desertos áridos, noites frias, para no final descobrirmos que só há pântanos, desertos e noites frias".

O Oitavo Dia da Semana
Autor:
Nelson de Oliveira
Editora: Travessa dos Editores
Quanto: R$ 40 (296 págs.)
Quando: lançamento na segunda, às 19h, na Livraria da Vila (r. Fradique Coutinho, 915, tel. 0/xx/11/ 3814-5811)


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