São Paulo, sábado, 25 de junho de 2005

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LITERATURA

O escritor David Grossman vem ao Brasil no mês que vem para fazer uma conferência e lançar livro na Flip

Israelense supera a crueldade da guerra

DA REPORTAGEM LOCAL

A Assaf, garoto de 16 anos, é concedida a ingrata tarefa de atravessar Jerusalém amarrado a um cão perdido, em busca de seu verdadeiro dono. Que males há Assaf de encontrar? Carros explodindo, escombros e dor, conflitos étnicos, guerra? Não. Assaf se deparará com pizzaiolos rabugentos e velhinhas enclausuradas, dispostos a recebê-lo e a trocar palavras.
Uma fábula? Distante de seu tempo? Não é o que indica a biografia de seu criador, David Grossman, um dos mais destacados escritores israelenses, que usou sua experiência de 25 anos de jornalismo para denunciar, em "Yellow Wind", seu principal livro, o caráter da invasão em Gaza.
Homem de contrastes, escreveu ainda mais de dez livros infanto-juvenis e virá, em julho, à 3º Festa Literária Internacional de Parati para falar em conferência e lançar seu leve "Alguém para Correr Comigo" (Companhia das Letras, 440 págs, R$ 49), que conta a saga de Assaf. (JULIÁN FUKS)

 

Folha - Como escrever com leveza enquanto ocorrem conflitos extremos no país em que se vive?
David Grossman -
Talvez seja justamente pela realidade que me rodeia que tive de lembrar que a vida não consiste apenas de guerra, ódio e crueldade. Essas coisas estão, sim, em meu romance, mas nele, diferente da realidade, há também os que tentam fazer o bem, ajudar, amar.

Folha - A literatura é forma de esquecer a guerra e continuar a vida?
Grossman -
Dizer isso seria trair meus outros livros, em que tentei decodificar a guerra e o ódio. Neste, explorei o significado de ser jovem no mundo moderno. Não protegi o protagonista ou o leitor da dureza da vida, mas permiti que emergisse a energia da adolescência. Os jovens, hoje, crescem para serem cínicos antes de terem a chance de experimentar a ingenuidade e o idealismo. São tão desesperados que têm certeza de que tudo está podre e de que não serão capazes de mudar nada.

Folha - No início do livro, o narrador diz "tudo isso acontece numa época não muito boa".
Grossman -
Para Assaf. Sei que há a tentação de ler cada frase vinda de Israel como metáfora da condição israelense, mas neste caso me referia ao personagem. Mas o livro fala sobre o fato de, diferentemente da atmosfera de Israel nos primeiros anos, agora as pessoas estarem mais apartadas e polarizadas, até hostis. Quando escrevo sobre a situação política, me interesso mais pelas raízes do conflito, as raízes da psique israelense, da psique palestina e como a história nos afeta e nos infeta.

Folha - Já que cometi o erro, como é sentir que cada frase será lida como referência à situação política?
Grossman -
Se alguém de Israel escrevesse um livro de culinária, seria interpretado politicamente. Fazendo isso, reduzindo tudo não só à política, mas às manchetes da CNN, se perde muito da complexidade do problema. A literatura é uma ótima forma de tornar o clichê mais sutil e complicado. De resgatar a realidade do clichê, exatamente como resgata a individualidade da nossa situação, que faz as pessoas se tornarem uma massa e as demanda a falar em coro. A literatura é o modo de dizer "eu" quando outros "nós".

Folha - Você escreve para mostrar que Israel é mais que o conflito?
Grossman -
Quando me sento à mesa para escrever um livro, quero apenas contar uma boa história. Através dela é possível chegar ao sentimento de que a vida aqui consiste em tantas outras coisas de que normalmente não se sabe se se conhece o país só pela TV.

Folha - Como você vê a literatura em Israel nas últimas décadas?
Grossman -
Tem sido tão rica e densa que penso que talvez seja por causa da situação. Quando estamos tão aprisionados por violência, terror e ocupação, a literatura se desenvolve como um outro senso que nos lembra daquilo de que estamos privados. De um modo até paradoxal, há um boom na cultura israelense e é ótimo pois, quando se vive numa zona tão catastrófica, sua alma encolhe. Você sabe que, se sente mais, sofre mais. Há a tentação de reduzir o contato com o externo, porque cada contato é doloroso.

Folha - Como sua experiência de jornalista afetou sua escrita?
Grossman -
O que pratico como jornalista, a partir da literatura, é lembrar que não há apenas um ponto de vista em cada história. Isso me causou problemas em meu trabalho na Rádio Israel, que era governamental e não permitia dizer, por exemplo, a palavra "ocupação". Naquele momento, escrevi "Yellow Wind" e "Smile of the Lamb", que justamente revelaram para os israelenses o fato e o caráter da ocupação. Por fim, em 1988, fui demitido.


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