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LITERATURA
O escritor David Grossman vem ao Brasil no mês que vem para fazer uma conferência e lançar livro na Flip
Israelense supera a crueldade da guerra
DA REPORTAGEM LOCAL
A Assaf, garoto de 16 anos, é
concedida a ingrata tarefa de atravessar Jerusalém amarrado a um
cão perdido, em busca de seu verdadeiro dono. Que males há Assaf
de encontrar? Carros explodindo,
escombros e dor, conflitos étnicos, guerra? Não. Assaf se deparará com pizzaiolos rabugentos e
velhinhas enclausuradas, dispostos a recebê-lo e a trocar palavras.
Uma fábula? Distante de seu
tempo? Não é o que indica a biografia de seu criador, David
Grossman, um dos mais destacados escritores israelenses, que
usou sua experiência de 25 anos
de jornalismo para denunciar, em
"Yellow Wind", seu principal livro, o caráter da invasão em Gaza.
Homem de contrastes, escreveu
ainda mais de dez livros infanto-juvenis e virá, em julho, à 3º Festa
Literária Internacional de Parati
para falar em conferência e lançar
seu leve "Alguém para Correr Comigo" (Companhia das Letras,
440 págs, R$ 49), que conta a saga
de Assaf.
(JULIÁN FUKS)
Folha - Como escrever com leveza
enquanto ocorrem conflitos extremos no país em que se vive?
David Grossman - Talvez seja justamente pela realidade que me rodeia que tive de lembrar que a vida não consiste apenas de guerra,
ódio e crueldade. Essas coisas estão, sim, em meu romance, mas
nele, diferente da realidade, há
também os que tentam fazer o
bem, ajudar, amar.
Folha - A literatura é forma de esquecer a guerra e continuar a vida?
Grossman - Dizer isso seria trair
meus outros livros, em que tentei
decodificar a guerra e o ódio. Neste, explorei o significado de ser jovem no mundo moderno. Não
protegi o protagonista ou o leitor
da dureza da vida, mas permiti
que emergisse a energia da adolescência. Os jovens, hoje, crescem para serem cínicos antes de
terem a chance de experimentar a
ingenuidade e o idealismo. São
tão desesperados que têm certeza
de que tudo está podre e de que
não serão capazes de mudar nada.
Folha - No início do livro, o narrador diz "tudo isso acontece numa
época não muito boa".
Grossman - Para Assaf. Sei que
há a tentação de ler cada frase vinda de Israel como metáfora da
condição israelense, mas neste caso me referia ao personagem. Mas
o livro fala sobre o fato de, diferentemente da atmosfera de Israel
nos primeiros anos, agora as pessoas estarem mais apartadas e polarizadas, até hostis. Quando escrevo sobre a situação política, me
interesso mais pelas raízes do
conflito, as raízes da psique israelense, da psique palestina e como
a história nos afeta e nos infeta.
Folha - Já que cometi o erro, como
é sentir que cada frase será lida como referência à situação política?
Grossman - Se alguém de Israel
escrevesse um livro de culinária,
seria interpretado politicamente.
Fazendo isso, reduzindo tudo não
só à política, mas às manchetes da
CNN, se perde muito da complexidade do problema. A literatura é
uma ótima forma de tornar o clichê mais sutil e complicado. De
resgatar a realidade do clichê, exatamente como resgata a individualidade da nossa situação, que
faz as pessoas se tornarem uma
massa e as demanda a falar em coro. A literatura é o modo de dizer
"eu" quando outros "nós".
Folha - Você escreve para mostrar
que Israel é mais que o conflito?
Grossman - Quando me sento à
mesa para escrever um livro, quero apenas contar uma boa história. Através dela é possível chegar
ao sentimento de que a vida aqui
consiste em tantas outras coisas
de que normalmente não se sabe
se se conhece o país só pela TV.
Folha - Como você vê a literatura
em Israel nas últimas décadas?
Grossman - Tem sido tão rica e
densa que penso que talvez seja
por causa da situação. Quando estamos tão aprisionados por violência, terror e ocupação, a literatura se desenvolve como um outro senso que nos lembra daquilo
de que estamos privados. De um
modo até paradoxal, há um boom
na cultura israelense e é ótimo
pois, quando se vive numa zona
tão catastrófica, sua alma encolhe.
Você sabe que, se sente mais, sofre mais. Há a tentação de reduzir
o contato com o externo, porque
cada contato é doloroso.
Folha - Como sua experiência de
jornalista afetou sua escrita?
Grossman - O que pratico como
jornalista, a partir da literatura, é
lembrar que não há apenas um
ponto de vista em cada história.
Isso me causou problemas em
meu trabalho na Rádio Israel, que
era governamental e não permitia
dizer, por exemplo, a palavra
"ocupação". Naquele momento,
escrevi "Yellow Wind" e "Smile of
the Lamb", que justamente revelaram para os israelenses o fato e o
caráter da ocupação. Por fim, em
1988, fui demitido.
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