São Paulo, sábado, 25 de junho de 2005

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LIVROS

FILOSOFIA

Para autor de "Desejo de Status", desamor é uma causa, e cristianismo, solução

Alain de Botton investiga o mal da busca por ser alguém

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Toda vez que um amigo faz sucesso, eu morro um pouco." A frase, reputada ao escritor Gore Vidal, sintetiza uma das causas de um mal moderno: quando o assunto é a ansiedade por posição social, o inferno são os outros. Este mal é analisado em "Desejo de Status", 12º livro do escritor Alain de Botton (editora Rocco), que chega às livrarias na segunda-feira. Novamente com o tom ensaísta, Botton recorre do pensamento de Aristóteles às idéias do escritor de auto-ajuda Anthony Robbins ("Desperte o Gigante Interior") e divide seu livro em duas partes: entre as causas, ele cita a falta de amor; entre as soluções, a arte e o cristianismo.
Leia a entrevista que o autor deu à Folha, por e-mail, de Londres.

 

Folha - O que o levou a escrever "Desejo de Status"?
Alain de Botton -
Queria pensar no modo como nos importamos com o que pensam de nós. A razão é simples: a maioria das pessoas tende a ser legal conosco de acordo com a dimensão de nosso status -se descobrem que fomos promovidos, há mais energia em seu sorriso. Se despedidos, fingem que não nos viram. Nós nos importamos de não termos status porque perdemos a autoconfiança se as outras pessoas não parecem gostar ou nos respeitar. Nosso ego ou conceito que temos de nós mesmos poderia ser retratado como um balão furado, sempre precisando de amor externo para ficar inflado, e vulnerável ao menor espinho da rejeição...

Folha - Até que ponto esse desejo é um sentimento universal?
Botton -
Ter fome e desejo de status é algo pouco comum, mas a história mostra que tão logo as sociedades ultrapassam a subsistência básica, vem o desejo de status. No mundo moderno, ele começa quando comparamos nossas realizações com as de nossos pares. Podemos nos preocupar com nossa posição ao lermos um perfil entusiasmado de um conhecido no jornal, quando um amigo nos revela inocentemente (ou por puro sadismo) uma boa novidade, como ter sido promovido, ter se casado ou chegado à lista de best-sellers. Ou quando, numa festa, alguém que acabou de abrir seu próprio negócio aperta nossa mão e pergunta o que fazemos.

Folha - Como reage à pergunta?
Botton -
Digo que sou um escritor. Aí as pessoas me olham com pena e medo. Escrever não é uma ocupação muito popular na Inglaterra, ao contrário, digamos, da França, onde ser escritor é um dos trabalhos mais glamourosos que existem. Muitas vezes as pessoas me dizem: "Então, você espera ser publicado algum dia?". Momento em que eu dou uma de Hugh Grant e digo, bem, já fui publicado. Tudo fica muito constrangedor para todos...

Folha - Você menciona causas e soluções para o desejo de status. Elas podem ser seguidas como um manual para uma vida melhor? Não tem medo do rótulo de escritor de "auto-ajuda chique"?
Botton -
Não acho que haja nada de errado com a idéia de um livro cujo objetivo seja melhorar a sua vida. O problema é que a maioria dos livros que hoje em dia fazem isso explicitamente é um tanto ruim (freqüentemente americanos, superotimistas e com capas cor-de-rosa). Então, se podemos dizer que Epicuro e Aristóteles também eram ao seu modo escritores de auto-ajuda, eu ficaria feliz de fazer parte desse grupo...

Folha - Já sentiu desejo de status?
Botton -
Claro, porque me comparo aos meus pares, os outros escritores. Todos fazemos isto e, por isso, acabamos sentindo falta de coisas mesmo quando temos uma situação melhor do que outros. Não é que sejamos ingratos, apenas não nos julgamos tendo em vista quem está distante. Não nos alegramos por nossa prosperidade em termos geográficos ou históricos. Somente nos sentiremos afortunados quando tivermos tanto, ou mais, do que as pessoas com quem crescemos, trabalhamos, temos como amigos ou nos identificamos na esfera pública. Daí que a melhor maneira de se sentir alguém de sucesso é escolher amigos que tenham um pouco menos de êxito.

Folha - O que dizer daqueles que enfrentam filas para comprar peças de luxo em liqüidação? Quão afetadas estão pelo desejo de status?
Botton -
Em vez de uma questão de cobiça, a história do vício pelo luxo deveria ser lida como um registro de trauma emocional. É a herança daqueles que reconhecem que suas chances de serem tratadas com respeito em círculos esnobes vão aumentar se eles têm a precaução extra de também comprar uma bolsa ou duas bolsas Louis Vuitton.

Folha - Tomar partido do cristianismo como solução para o mal não é um tanto perigoso atualmente?
Botton -
A questão não é a tendência religiosa, mas ver o que o cristianismo sempre teve a dizer sobre status. Nele, o que você faz não diz nada sobre quem você é. Cristo foi o homem mais importante, mas sempre foi um carpinteiro. O cristianismo legitima os que são incapazes ou não querem seguir as noções dominantes de status, mas que ainda assim merecem não ser caracterizados como perdedores ou um zé ninguém.


Desejo de Status
Autor:
Alain de Botton
Tradução: Ryta Vinagre
Editora: Rocco
Quanto: R$ 39,50 (304 págs.)


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