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DRAUZIO VARELLA
Restrição do espaço e violência
A redução do espaço físico
reduz a violência entre os
homens. Essa afirmação pode parecer absurda quando comparamos a paz da vida campestre com
a criminalidade urbana, mas
atribuir às aglomerações humanas a responsabilidade pela insegurança em que vivemos é analisar superficialmente a questão.
Em 1962, sob o título "Densidade Populacional e Patologia Social", John Calhoun descreveu um
experimento célebre no qual aumentava progressivamente o número de ratos no interior de uma
gaiola. O aumento da população
tornava-os agressivos, capazes de
atacar sexualmente e de devorar
os demais.
No final, com a gaiola apinhada, os ataques sexuais e as mortes
se multiplicavam, bem como a ferocidade das lutas em defesa de
posições privilegiadas junto à vasilha com comida colocada na
parte central, embora houvesse
acesso fácil aos comedores localizados nos cantos da gaiola. O autor concluiu que a superpopulação coloca o indivíduo e o sistema
social sob estresse, mecanismo
responsável pela eclosão de violência.
A experiência teve grande impacto entre os estudiosos do comportamento. Como evitar comparações entre a "gaiola comportamental" de Calhoun e os episódios de violência que eclodiam
nas grandes cidades nos anos
1960? Desde então, o termo "densidade populacional elevada"
passou a ser considerado um quase-sinônimo de violência urbana,
e a gaiola era citada como argumento decisivo para justificar a
associação entre ambas.
Em meados dos anos 1990, li um
relato publicado por Frans de
Waal, primatologista holandês
radicado nos Estados Unidos, a
respeito de observações de campo
realizadas numa colônia (Arnhem) de chimpanzés. Primatas
de origem africana como nós,
pouco resistentes ao frio, os chimpanzés que viviam em liberdade
numa ilha da colônia eram recolhidos para passar o inverno em
área com calefação, cujo espaço
correspondia a 5% daquele desfrutado na ilha.
O acompanhamento mostrou
que, no inverno, os animais se
tornavam mais tensos e irritadiços, porém menos violentos. As
conseqüências da redução de espaço físico nem de longe lembravam a brutalidade dos enfrentamentos e os ataques sexuais dos
ratos, na experiência de Calhoun.
Ao ler o trabalho, fiz um paralelo entre as observações nele contidas e uma história contada por
Tornado, mulato franzino, marido de duas mulheres, preso havia
20 anos por ter matado o vigia de
uma fábrica assaltada por ele e
dois comparsas, entre outros delitos. Ao comparar os 30 dias de
castigo que acabara de passar na
Isolada -um conjunto de celas
de dois metros por três, onde ficavam cinco ou seis presos trancados por infrações disciplinares-
com as penas impostas em tempos
passados, Tornado se referiu ao
castigo atual como uma "temporada no sítio".
Naquela época, contou, a indisciplina era punida com três meses
de reclusão em celas com 20 a 25
presos. O espaço era minúsculo,
não podiam sequer sentar ao
mesmo tempo. Para dormir, criavam turnos de oito horas nos
quais um terço deitava no cimento enquanto os demais permaneciam em pé, sem encostar um no
outro "porque ali era tudo homem com homem" nem falar em
voz alta "porque acordar vagabundo é problema".
Na troca de turno reservavam
uma hora para escovar os dentes,
lavar o rosto, os pés e as axilas na
pia -tarefas cumpridas com rigor para não despertar a ira do
grupo- e urinar no vaso do xadrez, atividade proibida fora desse horário. Banho, apenas na ducha do andar às quartas e aos sábados, quando os funcionários
abriam a cela para ser esfregada
com água e sabão e borrifada
com inseticida para exterminar
pulgas, sarnas e percevejos. Nessas oportunidades, aproveitavam
para esvaziar os intestinos no banheiro coletivo, porque ousar fazê-lo na privada da cela era manifestação inequívoca de comportamento pusilânime, falta passível de expulsão ou coisa pior. A fisiologia do aparelho digestivo que
se adaptasse às leis do cárcere.
As leis internas eram estabelecidas pelos presos; aos funcionários
cabia apenas a rotina de abrir e
fechar duas vezes por semana,
ocasião de transferir os presos punidos pelos companheiros. Apesar
de tudo, atos violentos eram raríssimos na Isolada.
Como conseguiam conviver sem
se matar?
Graças ao "código de boas maneiras", conjunto de leis não escritas obedecido cegamente, que
proibia, por exemplo, tossir ou
palitar os dentes durante as refeições.
No caso dos chimpanzés agrupados no inverno e dos presos espremidos nas celas, a superpopulação também coloca o indivíduo
e o sistema social sob estresse, como disse Calhoun, mas não dispara a violência encontrada nos
ratos. Diante da restrição de espaço, primatas não reagem como
roedores. A preservação dos grupos sociais foi tão essencial à sobrevivência de nossas espécies que
criamos regras de convivência para reduzir tensões e evitar o risco
de morte, uma vez que a exigüidade do espaço reduz a chance de
escapar com vida em caso de conflito.
Em condições de superpopulação, criar um código moral em
que os conceitos de certo e errado
estejam claramente definidos e
estabelecer penalidades severas
de aplicação imediata para os
que ousarem transgredi-lo é uma
estratégia de adaptação ao meio
que a espécie humana emprega
com maestria há 5 milhões de
anos.
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