"Um Contrato com Deus & Outras Histórias de Cortiço", de 78, consagrou o gênero "graphic novel"

PEDRO CIRNE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Nos início dos anos 40, com o personagem Spirit, o norte-americano Will Eisner (1917-2005) já havia firmado seu nome como um dos mestres das histórias em quadrinhos. Em 1978, deu um passo ainda maior com a publicação de "Um Contrato com Deus & Outras Histórias de Cortiço", que agora é relançado no Brasil.
Sobre esse livro, Eisner contava que se deparou com um problema ao concluir as histórias: quem ia querer publicá-las? Afinal, o mercado norte-americano da época era dominado por quadrinhos de super-heróis, cômicos, infantis ou os chamado "underground". Histórias em quadrinhos sérias, voltadas para o público adulto, eram raras.
Ao procurar uma editora para sua obra, Eisner improvisou e, ao descrevê-la, usou a expressão "graphic novel" (romance gráfico, em tradução livre).
Não foi a primeira vez que o termo foi utilizado, mas foi com essa publicação que ele ficou consagrado.
Embora o conceito, hoje, seja bem abrangente, ele é aplicado para HQs que trazem histórias com conclusão (em vez de séries mensais ou minisséries) e roteiros com temas voltados para um público adulto.
Assim são as quatro HQs de "Um Contrato com Deus". A primeira, por exemplo, mostra a desilusão de um homem religioso ao perder sua filha, ainda muito jovem, após uma doença súbita.
Não é um tema fácil para ninguém, muito menos para Eisner. Sua única filha morreu em 1969, aos 16 anos, vítima de leucemia. A dor que essa perda lhe provocou, bem como as incertezas sobre Deus e a vida, são o fio condutor da história.
As outras três histórias em quadrinhos têm em comum com a primeira o fato de serem baseadas em memórias de Eisner, embora não sejam autobiográficas, e o ambiente: um cortiço nova-iorquino. São histórias que tratam não de heróis ou vencedores, mas de pessoas comuns, com problemas como solidão, incompreensão ou falta de amor.
A carreira de Will Eisner é mais do que Spirit e "Um Contrato com Deus". Vai do uso de quadrinhos em manuais de instruções a aulas e livros teóricos sobre HQs, passando por ótimas "graphic novels".
"Um Contrato com Deus" foi a obra que abriu o mercado norte-americano de quadrinhos para temas mais sérios e fez com que o país passasse a enxergar as HQs de outro modo. Outro grande feito do mestre Will Eisner.