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CICLO
Documentários mais recentes do diretor alemão recuperam o espírito de seus filmes das décadas de 60 e 70
Werner Herzog volta revigorado em vídeo
LÚCIA NAGIB
da Equipe de Articulistas
Tem início hoje, dentro do evento Werner Herzog em andamento
no MIS, uma mostra em vídeo de
documentários do diretor feitos
entre 1989 e 1995. Para o público
brasileiro, trata-se da grande novidade do evento, já que a mostra de
filmes, iniciada no dia 20 passado,
traz obras importantes, mas já conhecidas entre nós.
O interesse dos quatro filmes em
vídeo vai além de seu ineditismo
em território brasileiro (apenas
um, "Sinos da Alma", já foi exibido na televisão). Neles, Herzog
volta a seu elemento, o documentário, depois das trapalhadas de
seus últimos filmes de ficção, como "Fitzcarraldo" e "Cobra
Verde", que voam alto demais e
tropeçam em enredos descosturados. Não foi à toa que Herzog,
após o pálido "Gasherbrum - A
Montanha Luminosa" (1984), tirou folga do grande cinema, entregando-se à ópera e ao teatro.
Nestas produções recentes, feitas para a televisão, Herzog parece
inteiramente livre, despido do peso dos grandes equipamentos, do
capricho dos atores famosos, das
complicações das equipes numerosas. Então recupera o poder de
fascinação que marcava seus documentários dos anos 60 e 70, como "Terra do Silêncio e da Escuridão" ou "O Grande Êxtase do
Entalhador Steiner".
Como os antigos, os documentários novos se pautam por duas temáticas básicas: os megalômanos
fracassados e os "freaks" interessantes, isto é, os marginais ou os
deficientes físicos ou mentais, que
aparecem com aura de dignidade e
beleza. Nos dois casos, os personagens são focalizados em tomadas
frontais e estáticas, manifestando-se sem qualquer espontaneidade. Denunciam o artifício do filme, tornando-se, com sua esquisitice, assombrosamente reais.
"Freaks" e megalômanos encontram-se representados em
"Sinos da Alma" (1993), que abre
hoje a mostra. O filme faz parte da
série "Momentous Events: Russia
in the 90's", que documentou a
Rússia pós-abertura (da qual participaram, entre outros, Godard,
Lina Wertmüller e Peter Bogdanovich). Claro que a Herzog pouco
interessava a política ou os problemas das cidades.
Escolheu como locação um recanto da Sibéria, ao redor do lago
Kitezh, onde filmou as atividades
das diferentes seitas que se desenvolvem em torno do mito de uma
suposta cidade submersa no lago.
O filme se abre com um cantor
de Tuva, música minimalista que
sai da garganta do cantor como
uma espécie de assobio metálico,
transformando-o no primeiro de
uma galeria de "freaks" interessantes. Ao fundo, pessoas se arrastam de bruços sobre a superfície
gelada do lago.
"Morte para Cinco Vozes"
(1995) traz talvez o enredo mais
fascinante de todos. Trata-se da
história de Carlo Gesualdo
(1560-1613), príncipe de Venosa,
célebre compositor maneirista
que, com seus madrigais, teria antecipado os cromatismos e progressões harmônicas de Wagner.
Com visitas ao castelo de Gesualdo, entrevistas e muita música,
Herzog reconstitui a tremenda
história desse tirano sadomasoquista, que assassinou sua primeira esposa (Maria d'Avalos, a suposta modelo da "Monalisa", de
Da Vinci), seu amante e seu filho,
cortou sozinho toda a floresta ao
redor de seu castelo e morreu dos
açoites diários que obrigava vinte
de seus servos a lhe aplicar.
"Wodaabe" é o exemplo cristalino da beleza "freak". Os bororos-wodaabe são pastores nômades do Sahel que se consideram o
povo mais belo do mundo. Periodicamente, os homens realizam o
ritual de se pintarem e enfeitarem
da cabeça aos pés, e se exibem em
danças para que as mulheres escolham para si os mais belos. Aqui,
também, o senso político-romântico de Herzog entra em cena: a etnia está à beira da extinção, pois é
empurrada para regiões cada vez
mais inóspitas, onde sua cultura
acabará por se dissolver.
"Jag Mandir", por fim, combina megalomania e beleza. O maharana (grau mais elevado do que
marajá) de Udaipur, na Índia, resolve realizar um grande festival
de arte, com representantes de numerosas culturas de seu país, e
convida para a organização do
evento seu amigo, o músico austríaco André Heller.
Trata-se de uma faustosa cerimônia de despedida, já que seu
castelo está se afundando no mar.
Os 82 minutos do filme são uma
síntese das 600 horas que durou o
evento, mistura de exibições teatrais, musicais e mágicas, realizadas para o maharana e seu filho.
Ciclo: Werner Herzog (documentários em
vídeo)
Quando: até domingo
Onde: MIS (av. Europa, 158, São Paulo,
011/280-0896)
Quanto: entrada franca
Programação de hoje: "Sinos da Alma"
(16h) e "Wodaabe - Os Pastores do Sol"
(18h)
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