São Paulo, quinta, 25 de junho de 1998

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CICLO
Documentários mais recentes do diretor alemão recuperam o espírito de seus filmes das décadas de 60 e 70
Werner Herzog volta revigorado em vídeo

LÚCIA NAGIB
da Equipe de Articulistas

Tem início hoje, dentro do evento Werner Herzog em andamento no MIS, uma mostra em vídeo de documentários do diretor feitos entre 1989 e 1995. Para o público brasileiro, trata-se da grande novidade do evento, já que a mostra de filmes, iniciada no dia 20 passado, traz obras importantes, mas já conhecidas entre nós.
O interesse dos quatro filmes em vídeo vai além de seu ineditismo em território brasileiro (apenas um, "Sinos da Alma", já foi exibido na televisão). Neles, Herzog volta a seu elemento, o documentário, depois das trapalhadas de seus últimos filmes de ficção, como "Fitzcarraldo" e "Cobra Verde", que voam alto demais e tropeçam em enredos descosturados. Não foi à toa que Herzog, após o pálido "Gasherbrum - A Montanha Luminosa" (1984), tirou folga do grande cinema, entregando-se à ópera e ao teatro.
Nestas produções recentes, feitas para a televisão, Herzog parece inteiramente livre, despido do peso dos grandes equipamentos, do capricho dos atores famosos, das complicações das equipes numerosas. Então recupera o poder de fascinação que marcava seus documentários dos anos 60 e 70, como "Terra do Silêncio e da Escuridão" ou "O Grande Êxtase do Entalhador Steiner".
Como os antigos, os documentários novos se pautam por duas temáticas básicas: os megalômanos fracassados e os "freaks" interessantes, isto é, os marginais ou os deficientes físicos ou mentais, que aparecem com aura de dignidade e beleza. Nos dois casos, os personagens são focalizados em tomadas frontais e estáticas, manifestando-se sem qualquer espontaneidade. Denunciam o artifício do filme, tornando-se, com sua esquisitice, assombrosamente reais.
"Freaks" e megalômanos encontram-se representados em "Sinos da Alma" (1993), que abre hoje a mostra. O filme faz parte da série "Momentous Events: Russia in the 90's", que documentou a Rússia pós-abertura (da qual participaram, entre outros, Godard, Lina Wertmüller e Peter Bogdanovich). Claro que a Herzog pouco interessava a política ou os problemas das cidades.
Escolheu como locação um recanto da Sibéria, ao redor do lago Kitezh, onde filmou as atividades das diferentes seitas que se desenvolvem em torno do mito de uma suposta cidade submersa no lago.
O filme se abre com um cantor de Tuva, música minimalista que sai da garganta do cantor como uma espécie de assobio metálico, transformando-o no primeiro de uma galeria de "freaks" interessantes. Ao fundo, pessoas se arrastam de bruços sobre a superfície gelada do lago.
"Morte para Cinco Vozes" (1995) traz talvez o enredo mais fascinante de todos. Trata-se da história de Carlo Gesualdo (1560-1613), príncipe de Venosa, célebre compositor maneirista que, com seus madrigais, teria antecipado os cromatismos e progressões harmônicas de Wagner.
Com visitas ao castelo de Gesualdo, entrevistas e muita música, Herzog reconstitui a tremenda história desse tirano sadomasoquista, que assassinou sua primeira esposa (Maria d'Avalos, a suposta modelo da "Monalisa", de Da Vinci), seu amante e seu filho, cortou sozinho toda a floresta ao redor de seu castelo e morreu dos açoites diários que obrigava vinte de seus servos a lhe aplicar.
"Wodaabe" é o exemplo cristalino da beleza "freak". Os bororos-wodaabe são pastores nômades do Sahel que se consideram o povo mais belo do mundo. Periodicamente, os homens realizam o ritual de se pintarem e enfeitarem da cabeça aos pés, e se exibem em danças para que as mulheres escolham para si os mais belos. Aqui, também, o senso político-romântico de Herzog entra em cena: a etnia está à beira da extinção, pois é empurrada para regiões cada vez mais inóspitas, onde sua cultura acabará por se dissolver.
"Jag Mandir", por fim, combina megalomania e beleza. O maharana (grau mais elevado do que marajá) de Udaipur, na Índia, resolve realizar um grande festival de arte, com representantes de numerosas culturas de seu país, e convida para a organização do evento seu amigo, o músico austríaco André Heller.
Trata-se de uma faustosa cerimônia de despedida, já que seu castelo está se afundando no mar. Os 82 minutos do filme são uma síntese das 600 horas que durou o evento, mistura de exibições teatrais, musicais e mágicas, realizadas para o maharana e seu filho.


Ciclo: Werner Herzog (documentários em vídeo)
Quando: até domingo
Onde: MIS (av. Europa, 158, São Paulo, 011/280-0896)
Quanto: entrada franca
Programação de hoje: "Sinos da Alma" (16h) e "Wodaabe - Os Pastores do Sol" (18h)



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