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MÚSICA ERUDITA - ANÁLISE
Filarmônica de Berlim faz feliz escolha com Rattle
DIOGO PACHECO
especial para a Folha
Não tenho dúvidas de que a Orquestra Filarmônica de Berlim é
hoje a melhor do mundo. Seu som
é incomparável. Redondo, reverbera gostoso, natural, nunca termina bruscamente. Nenhuma outra, entre as melhores do mundo,
tem essa qualidade.
Além disso a orquestra tem um
equilíbrio perfeito entre os seus
naipes de instrumentos. Quando
um som de uma frase passa de um
instrumento para outro é como se
soasse como um poema de Mallarmé, em que as palavras se fundem
na página com uma beleza e funcionalidade extremas.
Tudo isso foi trabalhado durante
anos por dois grandes maestros:
William Furtwangler e Herbert
von Karajan. O primeiro, com sua
sensibilidade impressionante, romântica por excelência. O segundo, com sua precisão e exigência
quase irritantes, mas nunca perdendo a grande musicalidade.
Aliás, Karajan foi mestre em colocar toda sua extraordinária técnica
a serviço da sensibilidade.
Essas duas qualidades foram um
pouco esquecidas durante a gestão
de Cláudio Abbado à frente da filarmônica. Parece que os músicos
de hoje estão mais afeitos a técnicas do que a sentimentos, não procurando o equilíbrio entre eles.
Dizem até as más-línguas que
Abbado decora as partituras pelo
fone de ouvido, não por elas mesmo: ele passearia horas pela casa
ouvindo gravações em vez de consultar partituras. Descontados os
exageros, sente-se, contudo, em
suas gravações, que não há muito
de novo em suas interpretações e
que a Orquestra Filarmônica de
Berlim não é mais a mesma desde
que passou para suas mãos.
Com o jovem (44 anos) Simon
Rattle, ocorre o inverso. Ele praticamente fez o som da Orquestra
Sinfônica da Cidade de Birminghan. Tem uma sensibilidade à flor
da pele e uma excelente técnica. É
portanto, a meu ver, o maestro
com características para devolver à
filarmônica o seu som característico. Contra ele tem apenas o seu repertório, mais afeito à música moderna. Todos sabem que a filarmônica tem um gosto mais conservador, mais tradicional, embora de
vez em quando faça incursões pela
música contemporânea.
Há que respeitar, portanto, a escolha de Rattle para assumir a direção da orquestra. Creio que, se não
fosse seu forte temperamento e limitações de repertório, o escolhido seria Carlos Kleiber, um regente
de primeiríssima linha.
Mas aí a filarmônica correria o
risco de ver canceladas algumas de
suas apresentações pelo temperamental maestro, talvez o melhor de
nossos dias. Mas acho, sinceramente, que a escolha foi feliz.
Diogo Pacheco, 73, é maestro.
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