São Paulo, domingo, 25 de julho de 2004

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AS VERDADES, AS FACILIDADES E OS ERROS DE UM FILME MILITANTE

"Fahrenheit 11 de Setembro" serve como uma acusação devastadora, eficaz, mas, ocasionalmente, simplista, contra o presidente George W. Bush. Nos 112 minutos do filme, Michael Moore apresenta o retrato de um presidente que, depois de vencer desonestamente as eleições de 2000, empregou os atentados de 11 de setembro de 2001 como pretexto para invadir o Iraque e amputar as liberdades civis.
Sempre zeloso dos interesses das empresas petrolíferas e da posição financeira de sua família, ligada aos governantes da Arábia Saudita, o presidente mascarou os objetivos econômicos das guerras no Iraque e no Afeganistão. Serviu-se de alertas quanto a possíveis atentados terroristas como ferramenta para assustar os norte-americanos e convencê-los de que era preciso tirar Saddam Hussein do poder.
Mas "Fahrenheit 11 de Setembro" baseia-se em fatos sólidos? Bush é o responsável pelos males que afligem os Estados Unidos?

FATOS VERIFICADOS
Michael Moore afirma que o clã Bush se deu bem financeiramente devido às relações com as famílias dos príncipes sauditas. Quanto a isso, o cineasta ocupa terreno bastante sólido. O embaixador saudita em Washington, príncipe Bandar, não ganhou o apelido de "Bandar Bush" sem motivo. George Bush, presidente entre 1989 e 1993 e pai do atual presidente, trabalhou até 2003 como um dos mais importantes consultores do Carlyle Group, servindo como intermediário entre a empresa e os dirigentes sauditas. Até outubro de 2001, o Carlyle contava com a família Bin Laden entre seus investidores. Há que acrescentar que a família Bin Laden renegou Osama há muitos anos.

AFIRMAÇÕES CONFIRMADAS:
"Fahrenheit 11 de Setembro" aponta para a atenção insuficiente que o governo americano dedicou aos alertas dos serviços de inteligência no verão de 2001, especialmente um relatório da CIA datado de 6 de agosto daquele ano, anunciando um ataque iminente da Al Qaeda. Parte dos documentos indiretos publicados pela comissão de inquérito sobre o 11 de Setembro confirmam as alegações apresentadas no filme. A comissão do Congresso dos EUA que investigou o atentado diz que houve "profundas falhas" das agências de segurança americanas. E Moore alega que, em vez de preparar o país para os ataques, Bush dedicou 42% do seu tempo, nos oito primeiros meses de Presidência, às férias. O cálculo foi feito pelo jornal "The Washington Post".
Por fim, o diretor exibe imagens de um presidente incapaz de reagir, na manhã de 11 de setembro de 2001. Um assessor lhe cochicha que os EUA foram atacados, e ele fica prostrado durante sete minutos, patético, em uma sala de aula de uma escola primária na Flórida. Inicialmente, a Casa Branca havia explicado que o presidente ficara apenas alguns segundos na classe. Depois o governo reconheceu que ele esperou minutos antes de se reunir à sua comitiva, "a fim de mostrar sua serenidade aos EUA".

ALEGAÇÃO DUVIDOSA
Moore declara que os EUA atacaram o Taleban no Afeganistão para garantir que a companhia texana Unocal pudesse construir um gasoduto através do país, o que beneficiaria o vice-presidente Dick Cheney e Kenneth Lay, antigo presidente da Enron. A Unocal na verdade abandonou o projeto em 1998. Não existe prova de que de 6% a 7% da riqueza dos EUA estejam sob controle de interesses sauditas, e de que empresas sauditas tenham pago US$ 1,4 bilhão aos Bush.

INFORMAÇÃO CONTESTÁVEL
A forma pela qual ele descreve a evacuação de membros da família Bin Laden que estavam nos EUA, em 20 de setembro de 2001. Não resta dúvida de que sauditas "importantes", entre os quais membros da família real do país, se beneficiaram de tratamento preferencial depois dos ataques. Foram "recolhidos" em todo o território americano com ajuda do FBI. Mas seu vôo de retorno à Arábia Saudita não parece ter ocorrido enquanto o tráfego aéreo estava suspenso nos EUA, como diz Moore. "Não existe qualquer prova confiável de que um vôo desse tipo tenha decolado dos EUA antes da reabertura do espaço aéreo", escreveu a comissão de inquérito sobre o atentado.
Richard Clarke, que comandou os esforços de combate ao terrorismo nos governos Clinton e Bush e expressa opinião fortemente crítica quanto ao atual presidente em seu livro "Against All Enemies" [Contra todos os inimigos], declarou que tomara "sozinho a responsabilidade por autorizar a partida dessas pessoas. Não acredito que tenha cometido um erro a esse respeito".

AS FACILIDADES
Durante a entrevista de Moore com Craig Unger, autor do livro "House of Bush, House of Saud" [Casa de Bush, casa de Saud], gravada em frente à embaixada saudita em Washington, um membro do serviço secreto americano pergunta ao diretor o que ele estava fazendo. O cineasta expressa espanto com o fato de que o serviço secreto esteja protegendo não os cidadãos dos EUA, mas governos estrangeiros. Bem, a missão oficial do serviço secreto americano inclui, entre outras funções, garantir a segurança dos diplomatas estrangeiros.

OUTRA REALIDADE
As imagens do Iraque antes da guerra apresentam o país como um refúgio de paz e tranqüilidade. Mas a realidade do Iraque de Saddam Hussein era muito diferente.
(ERIC LESER, DO "MONDE")


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