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"Veronika" é um romance que não começa nunca
MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha
Olha, já vou
avisando, eu
nunca tinha lido
um livro de
Paulo Coelho.
"Veronika Decide Morrer"
rompeu meu hímen. E falei para os caras que me
pediram a resenha, se não seria
melhor alguém que tivesse lido toda sua obra. "Não, queremos você", foi a resposta.
Também quero deixar claro: sou
amigo do homem e nunca tive nada contra ele e já o defendi publicamente, mais de uma vez, de críticos e escritores que torcem a napa diante de uma literatura popular "made in Brazil". Então tá.
Nada mais saudável para o mercado editorial brasileiro, mercado
inflacionado por "gênios", que
um Paulo Coelho assumidamente
comercial, pop. Foi depois do Plano Cruzado que se descobriu, no
Brasil, uma massa potencial de leitores de mais vendidos órfãos de
autores pátrios. Um novo filão
empurrava para o barranco o dito
"Brasil, país de analfabetos".
Coelho ocupou esse espaço meio
sem querer, sem querer querendo,
querendo muito vender e trabalhando para isso: palestras, entrevistas, contratos que estipulam
quantias para o marketing, viagens e a paciência de autografar
milhares de exemplares em feiras
de livros, pelos sete rincões.
O público o ama, os críticos o
desprezam, e ele toca sua vida, ao
som de caixa, escrevendo um atrás
do outro, sem se abalar, sem mudar de estilo -o que é virtude.
Minha primeira revelação ao ler
"Veronika". Morde a língua
quem diz que Coelho escreve apenas esotéricos de auto-ajuda.
"Veronika" é um romance, tem
todos os predicados de um, com
começo, meio e fim, capítulos que
amarram os próximos, suspense,
peripécia e revelação.
Por que ele vende tanto? Porque
é didático. Explica e explica os
acontecimentos. Repete explicações. É digressivo ao extremo. Não
quer, de maneira alguma, que o
leitor perca o fio da meada.
O narrador é calmo, simples,
suave. Os pronomes são bem colocados. Os parágrafos, curtos. As
palavras, as do dia a dia. É como
uma história para ninar adultos.
Veronika, garota de 24 anos da
Eslovênia, mora num convento e
decide se matar com comprimidos. Cansou de tudo. Espera a
morte lendo um artigo sobre um
jogo em CD-ROM "criado por
Paulo Coelho"; está na primeira
página, merchandising nada sutil.
Veronika toma a dose errada e
desperta num manicômio, onde o
narrador diz que Paulo Coelho esteve três vezes, num similar carioca, algo que só seria revelado após
a morte da mãe e do pai, e é revelado no livro, apesar do pai estar vivo, "em pleno gozo de suas faculdades mentais e de sua saúde".
Engraçado alguém falar assim da
saúde do pai, "em pleno gozo",
como um laudo pericial. Mas é isso mesmo. Paulo Coelho não inventa nada, não experimenta metáforas, não joga com as palavras.
"Olhe para mim, que estou há
anos casada com seu pai e procurei lhe dar a melhor educação e os
melhores exemplos possíveis", a
filha imagina a mãe falando.
É uma reprodução daquilo que
qualquer novato escreveria, não?
É normal demais, para uma história que se passa num manicômio.
"(...) Estava contente com o que
seus olhos viam e seus ouvidos escutavam", escreveu.
Por que não "seus olhos olhavam e seus ouvidos ouviam"?
Mais musical. Ou "seus olhos ouviam e seus ouvidos olhavam"?
Mais ousado. Ou "seus olhos liam
e seus ouvidos compunham"?
Mais poético. Ou "seus olhos, vidros, seus ouvidos, não perdidos"? Porque não quer arriscar.
Quer o óbvio. Mas, o que é isso?!
Eu dando palpites para o escritor
que vendeu 20 milhões, ganhou
comendas e prêmios lá fora?!
De repente, a personagem acorda, e alguém pergunta: "Você
quer que eu a masturbe?". Nossa,
o livro vai começar... Que nada,
ela dorme de novo, e nada acontece, e o livro nunca começa. Coelho
não ousa. É certinho demais. Até o
final é feliz, e Eduard, filho de um
embaixador, se apaixona por Veronika, no manicômio. Sei...
Sou amigo do homem. Espero
que ele não me leve a mal. Achei
seu livro sem tempero, mas defenderei até a morte o direito de ele
ser publicado e lido.
Livro: Veronika Decide Morrer
Autor: Paulo Coelho
Lançamento: Objetiva
Quanto: R$ 15 (224 págs.)
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