São Paulo, sábado, 25 de julho de 1998

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DISCO/CRÍTICA
Geração X chora chagas

do enviado ao Rio

Entre os artistas da geração X do pop brasileiro -a dos anos 80-, há os que hoje se refugiam no quentinho das FMs e os que não fogem de encarar a sina de irregularidade que os tarja. A esses, cabe hoje chorar as chagas em público.
Marina Lima é a ponta-de-lança do grupo dois. Como tal, é dos que mais têm sabido driblar a crueldade da história diante de sua relativa impotência; como tal, chora em público e cresce em público.
"Pierrot do Brasil" é, em sua carreira, o produto mais importante desse despudor em se expor. Chega o momento em que os impasses de geração X -carência de identidade, "camaleonismo"- curvam-se ante a evidência: honestidade consuma-se em identidade.
Marina não é mais aquela mutante que adotava todos os rostos por não possuir um. Já o possui, e disso a faixa "Pierrot" é prova contumaz. É tão poderosa quanto as mais poderosas canções que Marina já cantou -"Mesmo Que Seja Eu" (84), "Não Sei Dançar" (91). E, à diferença delas, é composta por... Marina.
Tal vai se repetir em outras das melhores faixas do CD -"Uma Antiga Manhã", "Portos e Vinhos". O que isso quer dizer? Que ela é, enfim, uma autora. Há pouquíssimas no Brasil -Dolores Duran, Maysa, Rita Lee, você pode tentar e não lembrará muitas mais. Marina está entre elas.
Fosse só isso... Ela ainda se completa com a intérprete, com a instrumentista. Filha de uma crise nacional de identidade, ela já cristaliza também uma nacionalidade.
Ecoam pelo CD os fantasmas de Dolores Duran, Nora Ney, Sílvia Telles (citada quase literalmente em "Pra Ver Meu Bem Corar"). Trata-se de pré-bossa nova, influência primordial para Marina.
Mas tal não significa que Marina esteja a revisitar. Ao evocar Sílvia Telles, ela o faz evidenciando a putrefação em que a bossa nova se encontra.
Não há vez para saudosismos. Por isso é tão insistente a intervenção de programações por computador. Suba e seus sintetizadores são obsessivos, são Marina tentando provar-se moderna por demais.
Por fim, a autora também vem se mostrar generosa. Nos encontros com sua "cria" Alvin L. -na tensa "Na Minha Mão", em "Arquivo 2" e em vinheta cantada por ele na faixa 8-, exibe fragmentos de uma parceria azeitada.
Com o irmão Antonio Cícero, os resultados (exceto em "Deixa Estar") já não são tão certeiros; com o titã Sérgio Britto (em "Leva"), estabelece curioso inventário de citações frasais a Paulo Vanzolini, Tom Jobim. O grito, afinal, é de se proclamar brasileira. "Pierrot do Brasil" cumpre a meta de forma admirável. (PAS)

Disco: Pierrot do Brasil Artista: Marina Lima Lançamento: PolyGram Quanto: R$ 18, em média


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