São Paulo, sábado, 25 de julho de 1998

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MÚSICA
Depois de passar por crise, cantora volta mais emotiva e mistura sintetizadores e ritmos brasileiros em novo CD
Marina põe a voz no peito em "Pierrot"

Rosane Marinho/Folha Imagem
a cantora Marina Lima, que lança seu novo CD, "Pierrot do Brasil"


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
enviado especial ao Rio de Janeiro

Marina Lima, 42, mentiu. "Pierrot do Brasil", seu novo CD, é suposta retomada de prumo após uma série de problemas vocais que enfrentou. Mas agora Marina diz que eles nunca aconteceram.
"Na época (1995), tive que falar que o problema foi com a voz, porque no Brasil parece que não existe problema emocional. Se você diz que tem, parece que é frescura, ainda mais se é mulher. Foi uma grande crise emocional."
"Sou muito controlada, mas chegou uma hora em que a fonte secou, foram várias perdas acumuladas. Essa crise acabou atingindo minha voz, eu não conseguia nem falar, nem respirar direito. Era angústia, areia no peito. Graças a Deus, não tinha nada."
A mea culpa se encontra já na faixa inicial, chamada "Pierrot". "Sim, eu resolvi me ausentar/ para ocultar a minha dor/ fugi, menti/ talvez por pudor", canta.
A voz, na volta, vem alterada, mais grave que nunca. "Está mais emotiva, eu queria cantar mais aqui no peito. A voz aguda vai para a cabeça, quis ficar no grave, no coração mesmo. Ficou tão colado no peito que chega a dar vergonha, fico constrangida", justifica.
"Pierrot do Brasil", não é, segundo ela, filho da crise. "Veio a partir de uma grande crise, não posso negar, mas não é filho dela. É autoral, acho que o mais autoral que já fiz. Quis fazer sozinha, não coube ninguém nele."
Mais ou menos. O iugoslavo abrasileirado Suba co-produziu -e revestiu de programações de bateria e teclados- o trabalho. O encontro com ele é, também, consequência de curso de linguagem Midi -"o diálogo entre computador e sintetizador"-, que Marina fez em São Paulo.
"Minha forma de compor mudou depois disso, abriu um horizonte de cores. Eu não sabia pilotar sintetizadores, com o curso foi possível. E Suba chegou quando estava tudo composto, para complementar muitas coisas."
Ventos tecno também sobre Marina? "Não, não tem tecno. Sempre gostei da eletrônica, "Fullgás' já era eletrônico. Suba tem familiaridade com o ruído, a sujeira de fim de século, que me interessa. Mas não é tecno", define.
As linguagens sintetizadas convivem com doses de brasilidade -um sampler de "Delicado", de Waldir Azevedo, abre "Pierrot". Ela disseca: "Já me perguntei se era brasileira ou não. Mas não vivo aqui? Não sou aqui? Então sou".
"Eu andava meio desinteressada pelos ritmos brasileiros", prossegue, "estava achando tudo muito estagnado. As harmonias de Tom Jobim continuam a me interessar, mas mesmo a bossa nova ficou estagnada ritmicamente. Aí os movimentos de Recife e Salvador me interessaram, deu até vontade de programar uma cuíca."
O resultado é MPB sintetizada, que percorre todo o CD. "Pierrot", por exemplo, ela diz ser inspirada na guitarra dos trios elétricos, de Armandinho em especial.
Tais intenções não diminuem o isolamento intencional que Marina mantém, até do próprio meio musical do qual faz parte. "Não me dou muito com as pessoas do meio. Adoro ler, conversar, não tanto me exibir. Não sou mico de circo, preciso ter o que dizer para querer falar. Não entendo de todos os assuntos."
Mais: "Meu meio tem uma coisa muito narcísica, com que é preciso tomar cuidado. Por ser famoso, você tem espaço. Precisa ter autocrítica, por ter espaço pode ocupar lugar de gente que tem mais coisa para falar que você". Ponto.


O jornalista Pedro Alexandre Sanches viajou a convite da gravadora PolyGram.



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