São Paulo, sábado, 25 de agosto de 2001

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MÚSICA

Bossa nova perde piano fiel de Luiz Carlos Vinhas

CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A bossa nova acaba de perder um de seus instrumentistas mais dedicados. Morto na última quarta-feira, aos 61 anos, o pianista e compositor carioca Luiz Carlos Vinhas manteve-se fiel ao gênero musical que o conquistou, no final dos anos 50. Sua trajetória confunde-se com o nascimento e a evolução da bossa nova.
Após as primeiras exibições em festinhas e shows ocasionais, na então fervilhante zona sul carioca, Vinhas começou a acompanhar cantores, como Maysa e a atriz Norma Bengell. Sua primeira (e definitiva) contribuição musical nasceu em 1961: junto com o contrabaixista Tião Netto e o baterista Edison Machado fundou o Bossa Três, um dos primeiros conjuntos instrumentais do gênero.
Assim como outros grupos similares, que também se apresentavam no lendário Beco das Garrafas, o Bossa Três trazia uma marcante influência do jazz (especialmente do estilo bebop). Praticava um estilo de bossa nova mais pesado do que o lançado por João Gilberto. Por isso, chegaram a rotulá-lo de "hard bossa".
Essa bossa instrumental, que não dispensava improvisos jazzísticos, levou o Bossa Três aos EUA, onde fez apresentações na TV e gravou três álbuns para o selo Audio Fidelity, lançados em 1962. Mas o trio se desfez, e Vinhas retornou sozinho ao Brasil, quando gravou com Jorge Ben (o pioneiro álbum "Samba Esquema Novo", de 1963) e Wilson Simonal, artistas que já buscavam novos caminhos para a bossa.
Ao rearticular o Bossa Três (com Otávio Bailly no baixo e Ronnie Mesquita na bateria), encontrou o caminho do sucesso. Em 1965, no palco da boate carioca Porão 73, o trio uniu-se aos cantores Pery Ribeiro e Leny Andrade, no show "Gemini V", que obteve grande repercussão.
Já como solista, gravou em 1968 "O Som Psicodélico de Luiz Carlos Vinhas" (CBS), seguido pelo álbum "Luiz Carlos Vinhas no Flag" (Odeon), dois anos depois. Nessa época já tinha se estabelecido como atração constante do circuito noturno do Rio. Como pianista, não era um virtuose. Moldado pelas boates e pianos-bares em que tocava, seu estilo tornou-se funcional, privilegiando as atmosferas.
Entre seus trabalhos mais recentes, o CD "Piano na Mangueira" (CID, 1996) é uma homenagem à escola de samba pela qual desfilava. Nele, Vinhas reuniu sambas clássicos de Cartola e Nelson Cavaquinho, recriando-os com tempero de bossa nova.
Já em 1999, rearticulou outra vez o Bossa Três, ao lado de Tião Netto (morto em junho último). Com a cantora Wanda Sá, no ano passado, o trio gravou um CD dirigido ao mercado japonês, recheado de pérolas da bossa nova. Como solista, Vinhas também lançou "Um Piano com Bossa" (CID), outra coleção de releituras de clássicos dos anos 60. Até sua morte prematura, esse batalhador da bossa dedicou-se somente à música que mais gostava.


Carlos Calado é crítico de música, autor de "Tropicália - A História de uma Revolução Musical" e "O Jazz Como Espetáculo".



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