São Paulo, sábado, 25 de agosto de 2001

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LITERATURA

Romance "Na América" será lançado no Brasil no início de setembro; escritora foi destaque em festival inglês

Sontag medita sobre autotransformações

ANTONIO BIVAR
ESPECIAL PARA A FOLHA

O festival literário na fazenda Charleston (no sudeste inglês) é frequentado pela tribo dos amantes das letras. O som que se ouve não é o do metal pesado de um festival de rock, mas vozes de escritores falando de seus livros.
A edição deste ano foi excelente, de John Mortimer a Merlin Holland (o único neto vivo de Oscar Wilde) e mais uma dúzia de nomes de peso. Trata-se de um evento concentrado, o público não passa de 200 pessoas e dura uma semana. Uma das atrações foi Susan Sontag, no quarto dia.
Com uma carreira de mais de 30 anos, Sontag, 68, andou meio por baixo no começo dos anos 90 por conta de uma ameaça chamada Camille Paglia. Mas Paglia, hoje em fase rebaixada, saiu de cena, e a volta de Susan Sontag é triunfal. Venceu o primeiro câncer, está no segundo, mas tira de letra. "Câncer é apenas uma doença."
Não é preciso, mas Diana Reich a introduz: "Susan Sontag é uma influente ensaísta, romancista, dramaturga e ativista dos direitos humanos. Entre seus livros, estão o romance "The Volcano Lover", "Aids e Suas Metáforas" e "Camp". Neste evento ela lerá trechos de seu novo romance, "Na América" [que será lançado pela Companhia das Letras no início de setembro", vencedor em 2000 do National Book Award, nos EUA".
"Seu novo romance é uma meditação profunda e cômica sobre temas como utopia, imigração, teatro, casamento e a busca da mulher por autotransformação."
Enquanto isso, Sontag sorri. Boca larga, dentes grandes, marcas de sarcasmo inteligente nos cantos dos lábios. Morena sazonada, cabelos longos tintados de preto-azeviche e uma mecha branca começando no meio da testa.
Ela ajeita os cabelos que caem na fronte e fala, de pé, apoiada no púlpito onde está seu livro. "E eu aqui pregando para conhecedores. No meu país, Charleston é um lugar muito famoso. Sua galáxia, uma fascinação para todos nós. Para mim, a mais importante do círculo é Virginia Woolf. Ela tem mais fãs nos EUA que aqui."
"O que mais me interessa é ficção. Um verdadeiro romance vai além de uma longa jornada. Meu romance é feito de monólogos. O monólogo de abertura é de um personagem que vem do fim do ano 2000 e retrocede até 1875. Áustria...", começa a autora.
"Está acontecendo uma festa no hotel em homenagem à atriz Marina Zalenska, de 35 anos, maior sucesso nos palcos europeus, Áustria, Prússia, Rússia. No meio da festa, Marina desiste de tudo e resolve ir para a América. Como ela é carismática, um monte de gente vai com ela. Chegam a uma vila no sul da Califórnia, lugar muito impopular na época. O grupo monta uma fazenda, a fazenda fracassa, a maioria volta para a Polônia, e Marina Zalenska fica, retoma a carreira, tornando-se a atriz mais famosa da América. Ela contracena com o grande Edwyn Booth, com quem passa a viver maritalmente."

Jeito americano
"O monólogo de abertura é cômico e o que fecha o livro é trágico. Vou ler o finzinho." Booth falando para Marina: "Você vê, minha cara Marina, minha pequena princesa, minha rainha polaca... (...) porque só um louco se disfarça como louco. Ofélia enlouqueceu e se matou na água, nós não! Nós somos americanos, otimistas incuráveis!".
Falando pelos cotovelos, Sontag volta a ser puro charme. "Naturalmente, como vocês podem imaginar, estou horrorizada e desesperada com a presente administração. Acho esse presidente [Bush] uma figura horrível. Há sempre um embaraço em ser americano, porque a América é uma cultura voraz, ditatorial, que se mete em todos os lugares", diz.
"Passei muito da minha vida longe da América, e o resto do mundo não é a América. Passei quase três anos em Sarajevo, durante o estado de sítio, entre 93 e 96. Sinto-me internacional, mas meu jeito de ser internacional é muito americano. Sou uma americana da terceira geração, de modo que existem muitas coisas americanas em mim", afirma.
"E não é com o que identifico na cultura americana, a maioria dessa cultura realmente não me importa, ou não gosto, ou não tiro dela muito prazer."
E finaliza: "É parte do que é americano em mim, do que aprendi vivendo fora, que conta. Por exemplo, sou uma grande crente no poder da vontade e na possibilidade de autotransformação e autotranscendência, e isso é muito americano. Vivendo em muitos países da Europa e em outras nações fora da Europa, vi que as outras pessoas não pensam assim. Elas não pensam que você pode se refazer, se transformar, se transcender e, por um enorme esforço de vontade, se tornar outra pessoa. Isso é muito americano. Como escritora não-chauvinista, sou uma cidadã do mundo. É um jeito de prestar atenção no mundo. O mundo como idéia de uma república internacional de letras".
Em síntese, Susan Sontag mais uma vez arrasou.


Antonio Bivar é escritor, dramaturgo e autor de "O que É Punk", entre outros



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