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LITERATURA
Romance "Na América" será lançado no Brasil no início de setembro; escritora foi destaque em festival inglês
Sontag medita sobre autotransformações
ANTONIO BIVAR
ESPECIAL PARA A FOLHA
O festival literário na fazenda
Charleston (no sudeste inglês) é
frequentado pela tribo dos amantes das letras. O som que se ouve
não é o do metal pesado de um
festival de rock, mas vozes de escritores falando de seus livros.
A edição deste ano foi excelente,
de John Mortimer a Merlin Holland (o único neto vivo de Oscar
Wilde) e mais uma dúzia de nomes de peso. Trata-se de um
evento concentrado, o público
não passa de 200 pessoas e dura
uma semana. Uma das atrações
foi Susan Sontag, no quarto dia.
Com uma carreira de mais de 30
anos, Sontag, 68, andou meio por
baixo no começo dos anos 90 por
conta de uma ameaça chamada
Camille Paglia. Mas Paglia, hoje
em fase rebaixada, saiu de cena, e
a volta de Susan Sontag é triunfal.
Venceu o primeiro câncer, está no
segundo, mas tira de letra. "Câncer é apenas uma doença."
Não é preciso, mas Diana Reich
a introduz: "Susan Sontag é uma
influente ensaísta, romancista,
dramaturga e ativista dos direitos
humanos. Entre seus livros, estão
o romance "The Volcano Lover",
"Aids e Suas Metáforas" e "Camp".
Neste evento ela lerá trechos de
seu novo romance, "Na América"
[que será lançado pela Companhia das Letras no início de setembro", vencedor em 2000 do
National Book Award, nos EUA".
"Seu novo romance é uma meditação profunda e cômica sobre
temas como utopia, imigração,
teatro, casamento e a busca da
mulher por autotransformação."
Enquanto isso, Sontag sorri. Boca larga, dentes grandes, marcas
de sarcasmo inteligente nos cantos dos lábios. Morena sazonada,
cabelos longos tintados de preto-azeviche e uma mecha branca começando no meio da testa.
Ela ajeita os cabelos que caem
na fronte e fala, de pé, apoiada no
púlpito onde está seu livro. "E eu
aqui pregando para conhecedores. No meu país, Charleston é um
lugar muito famoso. Sua galáxia,
uma fascinação para todos nós.
Para mim, a mais importante do
círculo é Virginia Woolf. Ela tem
mais fãs nos EUA que aqui."
"O que mais me interessa é ficção. Um verdadeiro romance vai
além de uma longa jornada. Meu
romance é feito de monólogos. O
monólogo de abertura é de um
personagem que vem do fim do
ano 2000 e retrocede até 1875.
Áustria...", começa a autora.
"Está acontecendo uma festa no
hotel em homenagem à atriz Marina Zalenska, de 35 anos, maior
sucesso nos palcos europeus,
Áustria, Prússia, Rússia. No meio
da festa, Marina desiste de tudo e
resolve ir para a América. Como
ela é carismática, um monte de
gente vai com ela. Chegam a uma
vila no sul da Califórnia, lugar
muito impopular na época. O
grupo monta uma fazenda, a fazenda fracassa, a maioria volta para a Polônia, e Marina Zalenska fica, retoma a carreira, tornando-se
a atriz mais famosa da América.
Ela contracena com o grande
Edwyn Booth, com quem passa a
viver maritalmente."
Jeito americano
"O monólogo de abertura é cômico e o que fecha o livro é trágico. Vou ler o finzinho." Booth falando para Marina: "Você vê, minha cara Marina, minha pequena
princesa, minha rainha polaca...
(...) porque só um louco se disfarça como louco. Ofélia enlouqueceu e se matou na água, nós não!
Nós somos americanos, otimistas
incuráveis!".
Falando pelos cotovelos, Sontag
volta a ser puro charme. "Naturalmente, como vocês podem imaginar, estou horrorizada e desesperada com a presente administração. Acho esse presidente [Bush]
uma figura horrível. Há sempre
um embaraço em ser americano,
porque a América é uma cultura
voraz, ditatorial, que se mete em
todos os lugares", diz.
"Passei muito da minha vida
longe da América, e o resto do
mundo não é a América. Passei
quase três anos em Sarajevo, durante o estado de sítio, entre 93 e
96. Sinto-me internacional, mas
meu jeito de ser internacional é
muito americano. Sou uma americana da terceira geração, de modo que existem muitas coisas
americanas em mim", afirma.
"E não é com o que identifico na
cultura americana, a maioria dessa cultura realmente não me importa, ou não gosto, ou não tiro
dela muito prazer."
E finaliza: "É parte do que é
americano em mim, do que
aprendi vivendo fora, que conta.
Por exemplo, sou uma grande
crente no poder da vontade e na
possibilidade de autotransformação e autotranscendência, e isso é
muito americano. Vivendo em
muitos países da Europa e em outras nações fora da Europa, vi que
as outras pessoas não pensam assim. Elas não pensam que você
pode se refazer, se transformar, se
transcender e, por um enorme esforço de vontade, se tornar outra
pessoa. Isso é muito americano.
Como escritora não-chauvinista,
sou uma cidadã do mundo. É um
jeito de prestar atenção no mundo. O mundo como idéia de uma
república internacional de letras".
Em síntese, Susan Sontag mais
uma vez arrasou.
Antonio Bivar é escritor, dramaturgo e
autor de "O que É Punk", entre outros
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