São Paulo, quinta-feira, 25 de agosto de 2005

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LITERATURA

Leitores da 11ª Jornada Nacional de Literatura, que ocorre em cidade gaúcha, "preparam-se" para o evento

Passo Fundo aproxima escritor e público

JULIÁN FUKS
ENVIADO ESPECIAL A PASSO FUNDO

Milhares de pessoas se engalfinham, apertadas, numa tenda de circo improvisada, olhos sequiosos aguardando a chegada de alguns escritores. Antes deles, no entanto, um espetáculo de cores vai revelando malabaristas, dançarinos, bonecos gigantes, homens com pernas de pau. Do alto, pomposamente, desce por uma corda o cantor que entoa o hino da 11ª Jornada Nacional de Literatura, um hino direto, ausente de qualquer floreio literário.
A literatura pode esperar, diante da exuberância circense que diverte os espectadores. Pode esperar, sim, também porque lhe tomará emprestada a exuberância, porque também será espetáculo.
Em Passo Fundo (RS), onde se realiza desde segunda-feira a jornada, valem os interesses dos leitores. São as vontades do público, formado principalmente por professores e estudantes, que têm de ser atendidas.
E esse público, que já há meses, durante a chamada pré-jornada, veio lendo e estudando as obras dos autores, agora quer é festa, conhecê-los de perto, abraçá-los, comentar suas obras. E que a conversa literária surja assim, nesse interstício entre o autor e sua obra ou entre o leitor e seus gostos.
Nesse sistema, ainda que a preocupação maior seja com o público, tampouco os autores saem insatisfeitos.
"Aqui há uma proximidade maior entre o público e o escritor. Não existe aquele muro, aquela parede de vidro que há em outros lugares, nas bienais, aquele fosso que os distancia. A começar pelo espaço, as lonas de circo são uma grande sacada", diz Nelson de Oliveira, um dos 110 autores convidados para o conjunto dos eventos, que inclui a 3ª Jornadinha, voltada para o público infanto-juvenil, e o 1º Seminário Nacional de Jornalismo Cultural, entre outros.
Mesmo aqueles que, em outras circunstâncias, poderiam ser considerados guardiões da formalidade, parecem concordar.
"Sinto em Passo Fundo uma coisa menos comercial do que se vê nas grandes bienais, que estão preocupadas em fazer com que um determinado escritor, de uma determinada editora, venda o máximo. São feiras para escritores best-sellers", diz o poeta Ivan Junqueira, presidente da ABL (Academia Brasileira de Letras), entidade que realiza em Passo Fundo a primeira reunião da história fora de sua sede no Rio de Janeiro.
O ensaísta Sérgio Paulo Rouanet, também da ABL, compartilha da visão de Junqueira. "O importante é que passa a idéia de que ler é divertido. Se você começar a moralizar, dizer que se tem de ler para virar bom cidadão, para virar bom filho, ninguém se sentirá seduzido", afirma, destacando o trabalho de estímulo à leitura realizado pela Jornadinha.
Um evento literário perfeito, nos moldes que se esperaria em qualquer lugar do mundo? Definitivamente, não. O que parece imperar em Passo Fundo, pelo contrário, é uma tolerância à imperfeição, tolerância em relação aos inevitáveis percalços, às numerosas falhas de organização.
O escritor Daniel Munduruku, por exemplo, indígena da tribo munduruku, pouco se incomodou com o fato de seu primeiro dia de participação na Jornadinha ter sido cancelado por uma forte ventania que ameaçava as frágeis tendas. Em vez disso, sentou-se a conversar com algumas crianças que o reconheceram e, tendo lido seus livros, puseram-se a comentar cada uma de suas histórias.


O jornalista Julián Fuks viaja a convite da organização da 11ª Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo

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