|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LITERATURA
Em "102 Minutos", repórteres do "NYT" narram momentos finais de quem estava no WTC quando o prédio foi atingido
Relatos de dentro das torres flagram drama do 11/9
LUCIANA COELHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Kevin Flynn dirigia pela rodovia
que liga sua casa, em Connecticut,
a Nova York quando ouviu no rádio uma notícia que achou um
tanto bizarra. Alguma coisa, talvez um avião, atingira o World
Trade Center. "Na hora achei que
fosse um avião pequeno, um piloto inexperiente", lembra o chefe
da sessão de polícia do jornal
"New York Times". Faltavam
poucos minutos para as 9h, e ele
continuou mudando as estações
em busca de música. "Foi quando
minha mulher ligou e disse que a
coisa tinha sido feia."
O alerta feito pela mulher de
Flynn na manhã fatídica de 2001 é
o ponto de partida para o que viraria uma empreitada jornalística
gigantesca com o colega Jim
Dwyer, cujo resultado é o livro
"102 Minutos - A História Inédita
da Luta pela Vida nas Torres Gêmeas", que a editora Jorge Zahar
lança nesta semana.
O volume é uma compilação
minuciosa e bem organizada de
relatos de sobreviventes do maior
atentado terrorista em solo americano e dos parentes e amigos
das 2.749 pessoas que ali perderam a vida. São depoimentos, e-mails e telefonemas, além de documentos oficiais, de quem estava
no complexo comercial no sul de
Manhattan, que permitem visualizar com um detalhamento assombroso o que aconteceu lá dentro, do momento em que o primeiro avião atingiu a Torre Norte
até a hora em que tudo ruiu -os
exatos 102 minutos do título.
Além de compor uma cena realista e dramática (que em 2007 deve virar filme), Flynn e Dwyer
apontam falhas e, sem a intenção
de diminuir o papel dos terroristas, indicam que muito mais gente poderia ter sido salva. Seu foco,
no entanto, não é a política externa do governo Bush ou sua capacidade de evitar ataques, mas
questões mais mundanas, como
os rádios dos bombeiros ou o sistema antifumaça do prédio.
Leia a seguir a entrevista que
Kevin Flynn concedeu à Folha,
por telefone.
Folha - Após um período em que o
tema foi tabu, o sr. acha que as pessoas estão prontas para detalhes
do que aconteceu nas torres?
Kevin Flynn -Sim, acho até que
há uma divisão entre quem quer
saber o que aconteceu e quem está
cansado do assunto. As muitas famílias que tentaram descobrir o
que realmente aconteceu com
seus entes queridos serviram como inspiração para nós. Elas nos
ajudaram muito. Recentemente,
ganhamos [o "Times" e as famílias] na Justiça a liberação de documentos [depoimentos dos
bombeiros] sobre aquele dia.
Folha - A prefeitura estava obstruindo as investigações?
Flynn -Eles deram os documentos aos investigadores com relutância. Mas, após ler parte do material liberado, não acho que estivessem tentando acobertar nada.
Acho que pensavam na privacidade das pessoas, como disseram,
mas se enganaram sobre o que as
famílias queriam -informação.
Folha - A cobertura dos eventos (e
os livros que saíram depois) explorou a dor dessas pessoas?
Flynn -Acho que não. Grosso
modo acredito que uma das formas de processarmos algo tão
horrível é tentarmos entendê-lo.
Folha - Como surgiu o livro?
Flynn -Os relatos e reportagens
sobre o 11 de Setembro eram sempre fragmentados, e as histórias
sobre o que houve em cada andar
nunca eram bem explicadas, pois
tinham como base o relato de
uma só pessoa. Pensamos que se
colocássemos todas as histórias
juntas, com diferentes pontos de
vista, poderíamos compreender
melhor o que houve naquele dia.
Folha - A impressão geral sobre
aquele dia é que os heróis foram
apenas a polícia e os bombeiros. O
sr. acredita que o livro mude isso?
Flynn -Haverá sempre uma inclinação natural para admirar
quem não precisava estar lá, mas
acabou entrando para ajudar. A
questão é que as histórias das outras pessoas acabaram trancadas
nas torres pelo fato de muitos dos
heróis terem morrido. Veja o caso
de Frank de Martini: sabíamos
que ele tinha resgatado algumas
pessoas, mas não imaginávamos
que fossem tantas, pois elas não
sabiam quem ele era. Só quando
mostramos fotos ou descrevemos
suas roupas, elas o identificaram
como quem as salvou. Só ao ligar
os pontos que se chega a histórias
incríveis de heroísmo civil.
Folha - Sem entrar no mérito do
governo federal, o sr. crê que algo
poderia ter reduzido as perdas?
Flynn -Não me sinto confortável
calculando quantas pessoas menos poderiam ter morrido, mas
tenho certeza que há coisas que
poderíamos ter feito naquele dia
-e que deveríamos fazer no futuro- que poderiam ter aumentado o índice de sobreviventes.
Uma delas é criar um sistema pelo
qual os telefonistas da emergência
tenham informações atualizadas
sobre o fato, para que possam
orientar seus interlocutores. Hoje
sabemos que, na Torre Sul, a escadaria A estava aberta enquanto as
outras estavam bloqueadas. Se os
telefonistas soubessem, eles poderiam ter encaminhado para lá
quem ligava. Já no caso dos bombeiros, a questão foi os rádios. Se o
sistema tivesse sido ajustado de
forma diferente, mais bombeiros
teriam sobrevivido. Alguns descobriram a ordem de retirada tarde demais. E, até hoje, polícia e
bombeiros não têm rádios que falem um com o outro. Muitos policiais e bombeiros acham que teria
sido útil se, naquele dia, pudessem falar entre si.
Folha - O sr. acha que os ataques
foram usados politicamente?
Flynn -Não sou especialista em
Washington, mas o [ex-]prefeito
[Rudolph] Giulianni, em muitos
sentidos, fez um trabalho incrível.
Nos dias imediatamente após o 11
de Setembro, mostrou-se sólido e
trabalhou muitas horas para reconfortar as pessoas. Mas, no decorrer dos meses, seu governo se
esforçou para mostrar problemas
que ficaram óbvios naquele dia
como menos importantes.
Texto Anterior: Contardo Calligaris: "Hotel Ruanda" e o espírito de porco da razão Próximo Texto: Crítica: Livro instaura ordem no caos que foi aquele dia Índice
|