São Paulo, quinta-feira, 25 de agosto de 2005

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LITERATURA

Em "102 Minutos", repórteres do "NYT" narram momentos finais de quem estava no WTC quando o prédio foi atingido

Relatos de dentro das torres flagram drama do 11/9

LUCIANA COELHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Kevin Flynn dirigia pela rodovia que liga sua casa, em Connecticut, a Nova York quando ouviu no rádio uma notícia que achou um tanto bizarra. Alguma coisa, talvez um avião, atingira o World Trade Center. "Na hora achei que fosse um avião pequeno, um piloto inexperiente", lembra o chefe da sessão de polícia do jornal "New York Times". Faltavam poucos minutos para as 9h, e ele continuou mudando as estações em busca de música. "Foi quando minha mulher ligou e disse que a coisa tinha sido feia."
O alerta feito pela mulher de Flynn na manhã fatídica de 2001 é o ponto de partida para o que viraria uma empreitada jornalística gigantesca com o colega Jim Dwyer, cujo resultado é o livro "102 Minutos - A História Inédita da Luta pela Vida nas Torres Gêmeas", que a editora Jorge Zahar lança nesta semana.
O volume é uma compilação minuciosa e bem organizada de relatos de sobreviventes do maior atentado terrorista em solo americano e dos parentes e amigos das 2.749 pessoas que ali perderam a vida. São depoimentos, e-mails e telefonemas, além de documentos oficiais, de quem estava no complexo comercial no sul de Manhattan, que permitem visualizar com um detalhamento assombroso o que aconteceu lá dentro, do momento em que o primeiro avião atingiu a Torre Norte até a hora em que tudo ruiu -os exatos 102 minutos do título.
Além de compor uma cena realista e dramática (que em 2007 deve virar filme), Flynn e Dwyer apontam falhas e, sem a intenção de diminuir o papel dos terroristas, indicam que muito mais gente poderia ter sido salva. Seu foco, no entanto, não é a política externa do governo Bush ou sua capacidade de evitar ataques, mas questões mais mundanas, como os rádios dos bombeiros ou o sistema antifumaça do prédio.
Leia a seguir a entrevista que Kevin Flynn concedeu à Folha, por telefone.

 

Folha - Após um período em que o tema foi tabu, o sr. acha que as pessoas estão prontas para detalhes do que aconteceu nas torres?
Kevin Flynn -
Sim, acho até que há uma divisão entre quem quer saber o que aconteceu e quem está cansado do assunto. As muitas famílias que tentaram descobrir o que realmente aconteceu com seus entes queridos serviram como inspiração para nós. Elas nos ajudaram muito. Recentemente, ganhamos [o "Times" e as famílias] na Justiça a liberação de documentos [depoimentos dos bombeiros] sobre aquele dia.

Folha - A prefeitura estava obstruindo as investigações?
Flynn -
Eles deram os documentos aos investigadores com relutância. Mas, após ler parte do material liberado, não acho que estivessem tentando acobertar nada. Acho que pensavam na privacidade das pessoas, como disseram, mas se enganaram sobre o que as famílias queriam -informação.

Folha - A cobertura dos eventos (e os livros que saíram depois) explorou a dor dessas pessoas?
Flynn -
Acho que não. Grosso modo acredito que uma das formas de processarmos algo tão horrível é tentarmos entendê-lo.

Folha - Como surgiu o livro?
Flynn -
Os relatos e reportagens sobre o 11 de Setembro eram sempre fragmentados, e as histórias sobre o que houve em cada andar nunca eram bem explicadas, pois tinham como base o relato de uma só pessoa. Pensamos que se colocássemos todas as histórias juntas, com diferentes pontos de vista, poderíamos compreender melhor o que houve naquele dia.

Folha - A impressão geral sobre aquele dia é que os heróis foram apenas a polícia e os bombeiros. O sr. acredita que o livro mude isso?
Flynn -
Haverá sempre uma inclinação natural para admirar quem não precisava estar lá, mas acabou entrando para ajudar. A questão é que as histórias das outras pessoas acabaram trancadas nas torres pelo fato de muitos dos heróis terem morrido. Veja o caso de Frank de Martini: sabíamos que ele tinha resgatado algumas pessoas, mas não imaginávamos que fossem tantas, pois elas não sabiam quem ele era. Só quando mostramos fotos ou descrevemos suas roupas, elas o identificaram como quem as salvou. Só ao ligar os pontos que se chega a histórias incríveis de heroísmo civil.

Folha - Sem entrar no mérito do governo federal, o sr. crê que algo poderia ter reduzido as perdas?
Flynn -
Não me sinto confortável calculando quantas pessoas menos poderiam ter morrido, mas tenho certeza que há coisas que poderíamos ter feito naquele dia -e que deveríamos fazer no futuro- que poderiam ter aumentado o índice de sobreviventes. Uma delas é criar um sistema pelo qual os telefonistas da emergência tenham informações atualizadas sobre o fato, para que possam orientar seus interlocutores. Hoje sabemos que, na Torre Sul, a escadaria A estava aberta enquanto as outras estavam bloqueadas. Se os telefonistas soubessem, eles poderiam ter encaminhado para lá quem ligava. Já no caso dos bombeiros, a questão foi os rádios. Se o sistema tivesse sido ajustado de forma diferente, mais bombeiros teriam sobrevivido. Alguns descobriram a ordem de retirada tarde demais. E, até hoje, polícia e bombeiros não têm rádios que falem um com o outro. Muitos policiais e bombeiros acham que teria sido útil se, naquele dia, pudessem falar entre si.

Folha - O sr. acha que os ataques foram usados politicamente?
Flynn -
Não sou especialista em Washington, mas o [ex-]prefeito [Rudolph] Giulianni, em muitos sentidos, fez um trabalho incrível. Nos dias imediatamente após o 11 de Setembro, mostrou-se sólido e trabalhou muitas horas para reconfortar as pessoas. Mas, no decorrer dos meses, seu governo se esforçou para mostrar problemas que ficaram óbvios naquele dia como menos importantes.


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