São Paulo, sexta-feira, 25 de agosto de 2006

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Cinema

Crítica/"Miami Vice"


Seriado vira filme de dor e angústia

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

As duas décadas que separam o seriado "Miami Vice" (1984) de sua adaptação para cinema são notáveis desde o início. Telefones celulares, computadores portáteis, rastreadores por satélite e outros brinquedos do século 21 não trazem apenas alterações na paisagem: interferem em tudo, das características dos personagens ao modo como agem no mundo.
Sonny (Colin Farrell, no papel que foi de Don Johnson) e seu parceiro Rico (Jamie Foxx, no lugar de Philip Michael Thomas) são policiais de Miami, e pelas ruas da cidade ficariam, cuidando dos vilões locais, se já não estivéssemos na era dos crimes globalizados e das quadrilhas multinacionais.
É no meio de uma teia complexa que (re)encontramos os dois: lá se vão uns bons 40 minutos até que se entenda direito quem é quem em uma engrenagem que passa por diversos países, incluindo o Brasil, e mobiliza, no lado da polícia, profissionais qualificados para desbaratar gângsteres poliglotas.
Recrutados para trabalhar em uma operação internacional de grandes dimensões, Sonny e Rico são, na hierarquia cinematográfica, promovidos a supertiras, quase personagens de "Missão Impossível". A responsabilidade também os tornou mais sérios e angustiados: basta comparar o sorriso boa-praça de Johnson e Thomas com a sisudez de Farrell e Foxx para concluir que o mundo piorou desde os anos 80.
O diretor e roteirista Michael Mann, ex-produtor e eventual diretor do seriado, parecia o mais indicado a buscar a atualização. Esta reencarnação de "Miami Vice" guarda semelhanças com alguns de seus trabalhos mais recentes, como "O Informante" (1999) e, sobretudo, "Colateral" (2004).

Mundo sombrio
Agora, é sombrio o universo de Sonny e Rico. A violência, quando se torna explícita, arranca membros do corpo. E até mesmo os flertes e casos se revestem de angústia e dor.
"Não vai dar certo, não deveríamos estar aqui" - é o que o rosto do par amoroso de Rico, a atriz chinesa Gong Li, informa, na contramão das fantasias românticas do cinema. Mas a sensualidade de seus encontros, como as de Rico, lembra que é difícil governar o desejo.
"Miami Vice" não tem créditos de abertura, pequena transgressão a um padrão da indústria cinematográfica, com o objetivo de lançar o espectador desde cedo no oceano de incerteza que banha o filme. Ao final, restará um bocado desse clima. A ênfase na atmosfera, ao relegar todo o resto para segundo plano, responde ao mesmo tempo pelo que há de mais positivo e de questionável nessa ambiciosa tentativa de reinventar o êxito de um universo, o do seriado, que talvez esteja circunscrito ao seu tempo (anos 80) e circunstância (TV).


MIAMI VICE   
Direção: Michael Mann
Produção: EUA, 2006
Com: Colin Farrell, Jamie Foxx, Gong Li
Quando: em cartaz nos cines Iguatemi Cinemark, Anália Franco, Interlagos e circuito


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