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Cinema
Crítica/"Miami Vice"
Seriado vira filme de dor e angústia
SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA
As duas décadas que separam o seriado "Miami Vice" (1984) de sua
adaptação para cinema são notáveis desde o início. Telefones
celulares, computadores portáteis, rastreadores por satélite e
outros brinquedos do século 21
não trazem apenas alterações
na paisagem: interferem em tudo, das características dos personagens ao modo como agem
no mundo.
Sonny (Colin Farrell, no papel que foi de Don Johnson) e
seu parceiro Rico (Jamie Foxx,
no lugar de Philip Michael Thomas) são policiais de Miami, e
pelas ruas da cidade ficariam,
cuidando dos vilões locais, se já
não estivéssemos na era dos
crimes globalizados e das quadrilhas multinacionais.
É no meio de uma teia complexa que (re)encontramos os
dois: lá se vão uns bons 40 minutos até que se entenda direito quem é quem em uma engrenagem que passa por diversos
países, incluindo o Brasil, e mobiliza, no lado da polícia, profissionais qualificados para desbaratar gângsteres poliglotas.
Recrutados para trabalhar
em uma operação internacional de grandes dimensões,
Sonny e Rico são, na hierarquia
cinematográfica, promovidos a
supertiras, quase personagens
de "Missão Impossível". A responsabilidade também os tornou mais sérios e angustiados:
basta comparar o sorriso boa-praça de Johnson e Thomas
com a sisudez de Farrell e Foxx
para concluir que o mundo piorou desde os anos 80.
O diretor e roteirista Michael
Mann, ex-produtor e eventual
diretor do seriado, parecia o
mais indicado a buscar a atualização. Esta reencarnação de
"Miami Vice" guarda semelhanças com alguns de seus trabalhos mais recentes, como "O
Informante" (1999) e, sobretudo, "Colateral" (2004).
Mundo sombrio
Agora, é sombrio o universo
de Sonny e Rico. A violência,
quando se torna explícita, arranca membros do corpo. E até
mesmo os flertes e casos se revestem de angústia e dor.
"Não vai dar certo, não deveríamos estar aqui" - é o que o
rosto do par amoroso de Rico, a
atriz chinesa Gong Li, informa,
na contramão das fantasias românticas do cinema. Mas a sensualidade de seus encontros,
como as de Rico, lembra que é
difícil governar o desejo.
"Miami Vice" não tem créditos de abertura, pequena transgressão a um padrão da indústria cinematográfica, com o objetivo de lançar o espectador
desde cedo no oceano de incerteza que banha o filme. Ao final,
restará um bocado desse clima.
A ênfase na atmosfera, ao relegar todo o resto para segundo
plano, responde ao mesmo
tempo pelo que há de mais positivo e de questionável nessa
ambiciosa tentativa de reinventar o êxito de um universo,
o do seriado, que talvez esteja
circunscrito ao seu tempo
(anos 80) e circunstância (TV).
MIAMI VICE
Direção: Michael Mann
Produção: EUA, 2006
Com: Colin Farrell, Jamie Foxx, Gong Li
Quando: em cartaz nos cines Iguatemi
Cinemark, Anália Franco, Interlagos e
circuito
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