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Sai em CD "mais belo filme" não feito por Jean Renoir
Disco recupera adaptação que Antoine "Pequeno Príncipe" Saint-Exupéry fez de seu livro "Terra dos Homens" para o cineasta francês, que nunca pôde filmá-lo
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HAROLDO CERAVOLO SEREZA
de Paris
"Querido Jean Renoir, vou começar a narrativa do filme." Ainda intimidado pelo aparelho, um
ditadofone, Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944) recontou ao
cineasta, diretor de "A Regra do
Jogo", a história de seu livro "Terra dos Homens".
O projeto nunca foi realizado.
Mas o autor de "O Pequeno Príncipe" registrou em discos (ainda
não havia gravadores de fita na
época) a sua "adaptação" para o
cinema do romance, que Renoir
(1894-1979) esperava transformar
no "mais belo filme de sua vida".
Os descendentes de Renoir
guardaram os discos e, mais tarde, os doaram à Universidade da
Califórnia. O conteúdo acaba de
ser lançado na França -a transcrição completa, acompanhada
de cartas e telegramas, foi editada
pela Gallimard. Um CD traz a
maior parte da gravação, editada
em 69 minutos.
Renoir e Saint-Exupéry tinham
em comum a paixão pela aviação.
Durante a Primeira Guerra Mundial, ferido no front, ainda antes
de realizar seu primeiro filme, o
cineasta aprendeu a pilotar e passou a fazer vôos de reconhecimento. "A Regra do Jogo" (1939)
começa com um piloto deixando
um avião e com Jean Renoir
-também ator no filme- indo
falar com ele.
Exupéry foi piloto profissional,
atuando nas primeiras linhas de
correio que passaram a ligar Europa, África e América do Sul
-ele passou parte de sua vida em
Buenos Aires. Sua obra é marcada
por essa experiência, inclusive
"Terra dos Homens".
Os dois se encontraram num
momento difícil para a França,
em que o colaboracionismo com
a Alemanha nazista ditava as regras do jogo político.
Cada um a seu modo, Renoir e
Exupéry partiram para os EUA
com os objetivos de continuar
seus trabalhos e de usar o prestígio que haviam conquistado para
defender a entrada dos americanos na guerra ao lado.
Não foi um encontro planejado.
O acaso fez com que os dois, em
dezembro de 1940, embarcassem
no mesmo navio e na mesma cabine para os EUA. Ao fim da travessia do Atlântico, em 31 de dezembro de 1940, Renoir desembarcou com uma cópia do livro,
premiado na França com o Grande Prêmio da Academia Francesa,
e foi para Hollywood. Exupéry ficou em Nova York.
Em março, Renoir leu o romance e decidiu filmá-lo, embora soubesse que o livro não tivesse uma
estrutura que pudesse ser facilmente transformada num roteiro.
Ligou para o já amigo e pediu que
preparasse a adaptação, enquanto
tentava convencer produtores a
adotar o projeto. Saint-Exupéry,
eterno encantado pela tecnologia,
começou as gravações.
A versão "cinematográfica" de
Exupéry, que já escrevera o roteiro de "Anne-Marie" para Raymond Bernard, não se restringe
ao contado no livro, uma reunião
de textos. Aproveita também outras de suas obras, como "Vôo na
Noite", e cria novas cenas, ligadas
por "flashbacks" e miragens.
Mas em nenhum momento foge à essência de "Terra dos Homens", dedicado a seu amigo Henri Guillaumet -o homem
aprendendo com as dificuldades
que a natureza lhe impõe.
Nesse mundo, o avião é a ferramenta de reflexões, e os aviadores
homens em constante superação
de suas limitações. "Não sei se ele
(o livro) é bom ou ruim, mas eu
sei que ele é honesto", escreveu
Renoir a Exupéry em 1942, num
tempo em que a honestidade humana era raridade.
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