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São Paulo, quinta-feira, 25 de setembro de 2003

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MÚSICA ERUDITA

Um concerto bem sueco da soprano Barbara Hendricks

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Os anos passam e a música de Shostakovich (1906-75) vai ficando cada vez melhor. Dito de outro modo: nossa incompreensão e insensibilidade vão sendo extintas, aos poucos, por força da própria música. É o caso das canções op. 127, que Barbara Hendricks cantou anteontem no BankBoston, no final memorável de um concerto não muito expressivo.
A soprano americana (que mora na Suíça e viaja com passaporte da Suécia) veio acompanhada de um trio de músicos suecos: o violinista Christian Bergqvist, o violoncelista Torleif Thedéen (que já se apresentou mais de uma vez como solista com a Osesp) e o pianista Love Derwinger.
Os três tocaram também o "Trio" em dó menor, op. 101, de Brahms (1833-97). No "Trio" como em tudo mais, tocaram com cuidado e fineza -mas será que não ficou faltando alguma coisa? Ou muita coisa? Derwinger, em especial, adotou a postura do acompanhante "neutro", discreto. O risco é a música, afinal, soar discreta e neutra também.
Entre Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo, esse era o quarto de cinco concertos em sete dias; compreende-se que os músicos não estivessem inspiradíssimos. Já para a platéia, era o primeiro e único. Entende-se que não tenha aplaudido com entusiasmo.
Na primeira parte, Barbara Hendricks cantou cinco conhecidos "lieder" de Schubert (1797-1828) e uma seleção das quase desconhecidas "Canções Escocesas" e "Canções Populares" de Beethoven (1770-1827), para voz e trio. Se em peças tardias Beethoven se volta para as canções mais simples e parte delas para transcender tudo na música, aqui se dá ao prazer de habitar melodias e letras (em várias línguas) sem hegelianismos. São canções diretas, lindamente harmonizadas, com bom humor bem raro para ele.
A soprano cantou à vontade, sem se gastar. Foi um concerto para cumprir tabela, mas ela nunca soa menos do que o mínimo que precisa.
No Shostakovich, foi um pouco mais, até porque a música exige. Sete canções sobre poemas de Aleksandr Blok (em traduções canhestras no programa); cada uma com acompanhamento próprio -só violino, só violoncelo, só piano e combinações progressivas. Contraste entre quartas e sextas, até a sobreposição final. É Shostakovich nos desertos, um conjunto mínimo de instrumentos fazendo sombra para as desolações da voz. Essa música fica.


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