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MÚSICA ERUDITA
Um concerto bem sueco da soprano Barbara Hendricks
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Os anos passam e a música de
Shostakovich (1906-75) vai
ficando cada vez melhor. Dito de
outro modo: nossa incompreensão e insensibilidade vão sendo
extintas, aos poucos, por força da
própria música. É o caso das canções op. 127, que Barbara Hendricks cantou anteontem no
BankBoston, no final memorável
de um concerto não muito expressivo.
A soprano americana (que mora na Suíça e viaja com passaporte
da Suécia) veio acompanhada de
um trio de músicos suecos: o violinista Christian Bergqvist, o violoncelista Torleif Thedéen (que já
se apresentou mais de uma vez
como solista com a Osesp) e o pianista Love Derwinger.
Os três tocaram também o
"Trio" em dó menor, op. 101, de
Brahms (1833-97). No "Trio" como em tudo mais, tocaram com
cuidado e fineza -mas será que
não ficou faltando alguma coisa?
Ou muita coisa? Derwinger, em
especial, adotou a postura do
acompanhante "neutro", discreto. O risco é a música, afinal, soar
discreta e neutra também.
Entre Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo, esse era o quarto de cinco concertos em sete dias;
compreende-se que os músicos
não estivessem inspiradíssimos.
Já para a platéia, era o primeiro e
único. Entende-se que não tenha
aplaudido com entusiasmo.
Na primeira parte, Barbara
Hendricks cantou cinco conhecidos "lieder" de Schubert (1797-1828) e uma seleção das quase
desconhecidas "Canções Escocesas" e "Canções Populares" de
Beethoven (1770-1827), para voz e
trio. Se em peças tardias Beethoven se volta para as canções mais
simples e parte delas para transcender tudo na música, aqui se dá
ao prazer de habitar melodias e letras (em várias línguas) sem hegelianismos. São canções diretas,
lindamente harmonizadas, com
bom humor bem raro para ele.
A soprano cantou à vontade,
sem se gastar. Foi um concerto
para cumprir tabela, mas ela nunca soa menos do que o mínimo
que precisa.
No Shostakovich, foi um pouco
mais, até porque a música exige.
Sete canções sobre poemas de
Aleksandr Blok (em traduções canhestras no programa); cada uma
com acompanhamento próprio
-só violino, só violoncelo, só
piano e combinações progressivas. Contraste entre quartas e sextas, até a sobreposição final. É
Shostakovich nos desertos, um
conjunto mínimo de instrumentos fazendo sombra para as desolações da voz. Essa música fica.
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