São Paulo, sábado, 25 de setembro de 2004

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Montagem da 26ª Bienal contradiz conceito de curador

Para especialistas, reunir obras por suporte vai contra o tema da mostra, "Território Livre"

FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Há uma contradição básica entre o tema "Território Livre", da 26ª Bienal de São Paulo, que é inaugurada hoje, para convidados, e a concepção de montagem. Esta é uma das conclusões de dois curadores, a brasileira Lisette Lagnado e o francês Olivier Michelon, que, a convite da Folha, visitaram anteontem a mostra.
Durante a visita, nem todas as obras estavam prontas, especialmente as salas dedicadas aos vídeos, mas já era possível ter uma visão de conjunto. Em cerca de três horas, Lagnado e Michelon percorreram o pavilhão da Bienal e, após o percurso, avaliaram a segunda mostra organizada pelo alemão Alfons Hug.
A crítica mais contundente ficou por conta da segmentação da Bienal por suportes, isto é, áreas que apresentam, em sua maioria, pintura, outras, instalação, e o chamado "Multiplex", um complexo de salas escurecidas dedicadas a projeções. "Se é território livre, por que dividir em categorias?", questiona Lagnado. O desenho da mostra é do arquiteto Isay Weinfeld.
"Toda a história da arte, no século 20, caminhou contra a separação por categorias. É uma pena haver essa restauração, e ela representa uma simplificação na montagem", disse Michelon, que é crítico da revista francesa "Journal des Arts".
Segundo Michelon, é no "Multiplex" que se induz a uma leitura mais rasa na exposição: "A área dedicada ao vídeo é problemática, pois ela foi organizada segundo a lógica da televisão e o visitante será induzido a fazer um "zapping" dos trabalhos".
A ausência do tempo de duração na ficha técnica dos trabalhos, ao menos até anteontem, reforça a tese de Michelon.
Já Lagnado considera "problemática" a aproximação dos trabalhos pelo valor simbólico do material. "Criou-se uma "Grande Tela" do precário [no térreo da exposição]. O fato de se dispor trabalhos usados com o mesmo material gera uma homogeneização que diminui a dignidade de cada obra. Há uma seção de barcos, de Artur Barrio, Fabiano Marques e Simon Starling, que achata os três artistas no mesmo plano, quando sabemos que as questões internas desse trabalhos são muito diferentes", diz a curadora brasileira. A "Grande Tela" foi um "statement" curatorial apresentado em dois imensos corredores com pinturas de grande formato, na Bienal de 1985, e que gerou protestos de artistas.
As Salas Especiais também foram criticadas pelos curadores. Para Lagnado, Beatriz Milhazes deveria estar dialogando com outros nomes selecionados pelo curador neste segmento e não exibida próxima à rampa. "Quatro pinturas não constitui uma sala especial", conta Lagnado.
"Eu suponho que as salas especiais representem, para o curador, o foco do que ele considera importante na arte contemporânea, algo como "meus artistas prediletos". Isso não está claro, pois não se vê a abrangência do trabalhos dos artistas escolhidos. A exceção é a montagem do ateliê de Paulo Bruscky, aí sim uma oportunidade bem aproveitada", afirma Michelon.
A pedido da Folha, os curadores elencaram os cinco trabalhos mais significativos, dentre os que estavam montados até anteontem. Para Michelon, as obras escolhidas foram os mapas desconstruídos da dupla brasileira Angela Detânico e Rafael Lain, as pinturas de Beatriz Milhazes, a instalação do holandês Aernout Mik. Duas outras obras foram selecionadas, mesmo não prontas, já que o crítico conhece o projeto dos artistas, pois ambos vivem na França: Melik Ohanian e Bruno Peinado. Lagnado escolheu o chinês Chen Shaofeng, o cubano Carlos Garaicoa, os brasileiros Thiago Bortolozzo e Paulo Brusky e a etíope Julie Mehretu.


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