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As maravilhosas e verdadeiras receitas de São Cipriano
CARLOS HEITOR CONY
do Conselho Editorial
Entre as raríssimas e autênticas preciosidades bibliográficas que possuo, destaca-se "O
Grande e Verdadeiro Livro de
São Cipriano", adquirido no
bem fornido e já falecido sebo
do Carlos Ribeiro, velho mercador de livros, por sinal, também
já falecido. Estava o Carlos
mercando honestamente seus
livros na rua São José, e eu fuçando seus empoeirados volumes. Num balcão ao fundo, o
poeta Gerardo de Mello Mourão, de chapéu e gravata borboleta vermelha, compulsava um
vastíssimo dicionário Grego-
Hebraico e Hebraico-Grego.
Mais ao fundo, o Magalhães
Jr. consultava uma coleção de
jornais. Junto à caixa registradora, o Carlos fiscalizava o Magalhães, que na época juntava
material para um livro sobre
Ruy Barbosa. Qualquer bobeada e o Magalhães mutilaria a
coleção com a famigerada gilete que sempre levava no bolso
para essas ocasiões.
Foi nesse histórico momento
que, entre uma gramática expositiva da 3ª série e um compêndio de aritmética para alunos de admissão, encontrei a
acima referida preciosidade.
Em primeiro lugar, não façam
confusões. Há o "Livro de São
Cipriano". Há o "Grande Livro
de São Cipriano". E há o "Verdadeiro Livro de São Cipriano".
Mas esses livros não se comparam com o meu, que é "O Grande e Verdadeiro Livro de São
Cipriano". Contém os demais e
contém mais ainda. Por exemplo, contém esta receita para
forçar os amigos a nos cederem
seus bens e suas benfeitorias.
Copiem:
- Quando encontramos um
marreco, digamos essa prece:
"Golfinho, golfinho que entorta
para a frente e para trás, vai,
vai, diligente e deixa-me em
paz, aí vai uma figa e não olhes
para trás". Dizendo isso, faz-me
uma figa e mantém-se a mão
fechada até encontrar qualquer
desses sujeitos: um outro marreco, um soldado municipal,
um cavalo branco (não o uísque homônimo, mas o próprio),
um coxo, uma cruz, um animador cultural ou uma procissão.
E antes que me peçam, aqui
vai a eficiente receita para recuperar maridos egressos do
bom caminho. O título da receita é "Feitiço Maravilhoso das
Batatas Cozidas com Pombo ao
Relento". E reza:
"Quando uma senhora desconfiar que seu marido ou
amante anda perdido com mulheres e bebidas, não deve fazer
mais do que isto: pegar seis batatas e, depois de benzê-las
uma a uma, deitá-las num tacho de cobre com água benta,
colocando por cima um fio de
azeite virgem, dizendo: "Satanás! Meu Pai e Mestre! Pela virgindade deste azeite, requeiro
ao teu grande poder que o meu
homem torne a haver a antiga
virgindade!'"
Depois disso, deve colocar o
tacho ao relento por três noites
e -garante o santo- "havendo luar, maior será o efeito".
Passadas as três noites, prepara-se um pombo virgem com as
batatas e serve-se tudo isso com
brócolis e pimenta. Quando for
deitar ao lado do seu homem,
deve introduzir dentro da boca
do infiel, seja ele marido ou
amante, a cabeça do pombo
com um pedaço da tripa metida
no bico.
Estou em condições de dar novas e eficientes receitas para os
mais variados e específicos fins,
desde a eficaz "Oração aos Enfermos" até a inoportuna receita para obrigar o marido a ser
fiel, incluindo, ainda, a "Grande Mágica das Favas" e a edificante "História de São Cipriano" e "Elvira no Deserto" -esta última merecendo ser transformada em caso especial da
Globo.
Ensinarei também a "Grande
Mágica para se Revolver os
Tempos, Escurecerem-se os Astros, Verem-se Relâmpagos,
Ouvir Grandes Trovões, Caírem
Tempestades e Granizos, Grandes Fantasmas e Línguas de Fogo Saírem da Terra e Mortos
Deixarem Suas Sepulturas, a
Terra Abrir Enormes Brechas.
Enfim, Promover um Terrível
Espetáculo Igual ao do Último
Dia do Mundo" -tudo isso
sem cobrar ingresso e sem patrocínio do Ministério da Cultura ou da Petrobrás.
E não vamos encerrar esse público benefício sem antes recomendar a "Receita para as Mulheres se Livrarem dos Homens
Quando Estiverem Aborrecidas
de os Aturar", seguida de sua
natural decorrência, ou seja, o
"Outro Modo para Continuar a
Mágica Precedente".
Passemos a palavra diretamente ao santo: "Quando uma
senhora estiver aborrecida de
aturar um homem e quiser livrar-se dele sem escândalo, faça
uma poção com 12 ovos de formiga, duas pimentas dentro de
uma cebola das grandes, deixando ferver tudo isso numa
panela de barro bem calafetada. A mulher se deita e espera
que o marido ferre no sono. Então, despejará a poção fervendo
em cima do marido, dizendo ao
mesmo tempo: "Em nome do
Padre, do Filho e do Espírito
Santo, amém. Em nome de Belzebu e de sua corte infernal, te
esconjuro com a cebola e com as
pimentas a que dês o fora de
minha cama, de minha casa e
de minha vida!"
Na hipótese pouco provável de
o marido resistir a tão dura
provação, a mulher deve repetir
a dose durante oito luas. Se o
marido, decorridas as oito luas,
insistir na resistência, a única
solução então é chamar o Caetano Veloso para tomar providências.
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