São Paulo, sexta, 25 de setembro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

As maravilhosas e verdadeiras receitas de São Cipriano

CARLOS HEITOR CONY
do Conselho Editorial

Entre as raríssimas e autênticas preciosidades bibliográficas que possuo, destaca-se "O Grande e Verdadeiro Livro de São Cipriano", adquirido no bem fornido e já falecido sebo do Carlos Ribeiro, velho mercador de livros, por sinal, também já falecido. Estava o Carlos mercando honestamente seus livros na rua São José, e eu fuçando seus empoeirados volumes. Num balcão ao fundo, o poeta Gerardo de Mello Mourão, de chapéu e gravata borboleta vermelha, compulsava um vastíssimo dicionário Grego- Hebraico e Hebraico-Grego.
Mais ao fundo, o Magalhães Jr. consultava uma coleção de jornais. Junto à caixa registradora, o Carlos fiscalizava o Magalhães, que na época juntava material para um livro sobre Ruy Barbosa. Qualquer bobeada e o Magalhães mutilaria a coleção com a famigerada gilete que sempre levava no bolso para essas ocasiões.
Foi nesse histórico momento que, entre uma gramática expositiva da 3ª série e um compêndio de aritmética para alunos de admissão, encontrei a acima referida preciosidade.
Em primeiro lugar, não façam confusões. Há o "Livro de São Cipriano". Há o "Grande Livro de São Cipriano". E há o "Verdadeiro Livro de São Cipriano". Mas esses livros não se comparam com o meu, que é "O Grande e Verdadeiro Livro de São Cipriano". Contém os demais e contém mais ainda. Por exemplo, contém esta receita para forçar os amigos a nos cederem seus bens e suas benfeitorias. Copiem:
- Quando encontramos um marreco, digamos essa prece: "Golfinho, golfinho que entorta para a frente e para trás, vai, vai, diligente e deixa-me em paz, aí vai uma figa e não olhes para trás". Dizendo isso, faz-me uma figa e mantém-se a mão fechada até encontrar qualquer desses sujeitos: um outro marreco, um soldado municipal, um cavalo branco (não o uísque homônimo, mas o próprio), um coxo, uma cruz, um animador cultural ou uma procissão.
E antes que me peçam, aqui vai a eficiente receita para recuperar maridos egressos do bom caminho. O título da receita é "Feitiço Maravilhoso das Batatas Cozidas com Pombo ao Relento". E reza:
"Quando uma senhora desconfiar que seu marido ou amante anda perdido com mulheres e bebidas, não deve fazer mais do que isto: pegar seis batatas e, depois de benzê-las uma a uma, deitá-las num tacho de cobre com água benta, colocando por cima um fio de azeite virgem, dizendo: "Satanás! Meu Pai e Mestre! Pela virgindade deste azeite, requeiro ao teu grande poder que o meu homem torne a haver a antiga virgindade!'"
Depois disso, deve colocar o tacho ao relento por três noites e -garante o santo- "havendo luar, maior será o efeito". Passadas as três noites, prepara-se um pombo virgem com as batatas e serve-se tudo isso com brócolis e pimenta. Quando for deitar ao lado do seu homem, deve introduzir dentro da boca do infiel, seja ele marido ou amante, a cabeça do pombo com um pedaço da tripa metida no bico.
Estou em condições de dar novas e eficientes receitas para os mais variados e específicos fins, desde a eficaz "Oração aos Enfermos" até a inoportuna receita para obrigar o marido a ser fiel, incluindo, ainda, a "Grande Mágica das Favas" e a edificante "História de São Cipriano" e "Elvira no Deserto" -esta última merecendo ser transformada em caso especial da Globo.
Ensinarei também a "Grande Mágica para se Revolver os Tempos, Escurecerem-se os Astros, Verem-se Relâmpagos, Ouvir Grandes Trovões, Caírem Tempestades e Granizos, Grandes Fantasmas e Línguas de Fogo Saírem da Terra e Mortos Deixarem Suas Sepulturas, a Terra Abrir Enormes Brechas. Enfim, Promover um Terrível Espetáculo Igual ao do Último Dia do Mundo" -tudo isso sem cobrar ingresso e sem patrocínio do Ministério da Cultura ou da Petrobrás.
E não vamos encerrar esse público benefício sem antes recomendar a "Receita para as Mulheres se Livrarem dos Homens Quando Estiverem Aborrecidas de os Aturar", seguida de sua natural decorrência, ou seja, o "Outro Modo para Continuar a Mágica Precedente".
Passemos a palavra diretamente ao santo: "Quando uma senhora estiver aborrecida de aturar um homem e quiser livrar-se dele sem escândalo, faça uma poção com 12 ovos de formiga, duas pimentas dentro de uma cebola das grandes, deixando ferver tudo isso numa panela de barro bem calafetada. A mulher se deita e espera que o marido ferre no sono. Então, despejará a poção fervendo em cima do marido, dizendo ao mesmo tempo: "Em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo, amém. Em nome de Belzebu e de sua corte infernal, te esconjuro com a cebola e com as pimentas a que dês o fora de minha cama, de minha casa e de minha vida!"
Na hipótese pouco provável de o marido resistir a tão dura provação, a mulher deve repetir a dose durante oito luas. Se o marido, decorridas as oito luas, insistir na resistência, a única solução então é chamar o Caetano Veloso para tomar providências.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.