São Paulo, sexta, 25 de setembro de 1998

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CINEMA - ESTRÉIAS
Tensão domina novo filme de Beto Brant

MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha

Estréia hoje, em São Paulo, "Ação entre Amigos", o novo filme de Beto Brant. É a história de quatro amigos, ex-guerrilheiros presos depois de um assalto a banco, no período do regime militar, que, numa pescaria, 25 anos depois, reencontram seu algoz, o chefe dos torturadores. Prepare-se: é tensão do começo ao fim.
Os créditos iniciais, uma linda colagem que mistura documentos e fotos da época com nomes dos envolvidos na produção, dão a entender que, dos atores aos roteiristas, todos são, de alguma maneira, subversivos de uma organização clandestina.
Brant é a melhor coisa que poderia ter acontecido ao cinema nacional. Ele, sim, significa renovação. Não faz concessões -não dirige falas em inglês, que poderiam abrir as portas de outros mercados, doença que contamina cineastas da pátria amada, nem pretende teorizar sobre o Brasil.
Está longe, muito longe, do Cinema Novo, que arranhou a estética e, consequentemente, afastou o público. Brant não faz movimento, não perde tempo. Brant não faz filme de arte, faz cinema. Enfim!
Já havia provado seu talento, no ano passado, com "Os Matadores", seu premiado longa de estréia. Conseguiu um feito inédito, lançar dois longas em dois anos; parece coisa de cineasta norte-americano.
Trabalha com a mesma equipe do primeiro filme: Sara Silveira (produção), André Abujamra (música) e Marcelo Durst (fotografia). O roteiro é também adaptação de uma história original de Marçal Aquino, o mesmo de "Os Matadores".
Todos os envolvidos do meio, inclusive a crítica, torcem por Brant. Na exibição para convidados, na última segunda-feira, em São Paulo, ele foi ovacionado antes de o filme começar. Porque todos sabiam que não perderiam seu tempo.
Por sinal, foi uma das pré-estréias mais concorridas do Espaço Unibanco. Porque todos querem vê-lo seguindo em frente, filmando todos os anos. Por quê?
Porque ele é despretensioso, introduz novos atores. Porque o som de seus filmes costuma ser bom, a fotografia, idem, a direção de arte, também. Porque, o mais importante, ele conta uma história, detalhe relevante mas escasso na maioria dos filmes de seus patrícios.
O elenco não tem o carisma de "Os Matadores" -em que se destacavam Chico Diaz, Maria Padilha e Murilo Benício. Há escorregadas no roteiro, como a maçante cena de "flashback" em que o casal Lúcia e Miguel discutem "os rumos da luta, companheiro".
Mas, diferente de "Os Matadores", em que o silêncio falava mais que as palavras, o ritmo de "Ação entre Amigos" é frenético. Logo na primeira cena, um helicóptero joga um corpo no mar.
Nunca ficou provado que tal método de tortura tenha acontecido no Brasil. Aconteceu em terra. Mas, pouco importa, foi um sonho, ou pesadelo. O filme não procura debater o período, nem ser didático. O período é um recurso dramático para falar de algo mais corrosivo à alma humana, o acerto de contas, a superação.
Miguel (Zecarlos Machado), o único dos quatro amigos ainda envolvido com política -é assessor de um deputado-, é quem os leva para a pescaria no interior de São Paulo, onde ele acredita que viva o delegado Correa, o torturador, oficialmente dado como morto. O que está em jogo é a obsessão de Miguel pelas dores do passado, enquanto os outros querem esquecer. Só isso já dá um filmão.
Ah, sim. A música de Abujamra é algo que pouco se vê (se ouve) por aqui. Com sua versatilidade e pesquisa de timbres, ele tem se revelado o maior compositor brasileiro de trilhas.
²
Filme: Ação entre Amigos Produção: Brasil, 1998; 76 min. Direção: Beto Brant Com: Leonardo Villar, Zecarlos Machado, Cacá Amaral, Carlos Meceni, Genésio de Barros, Sergio Cavalcante Quando: a partir de hoje, no Espaço Unibanco de Cinema e circuito


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