São Paulo, sexta, 25 de setembro de 1998

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ANÁLISE
DePalma tem lugar entre os consagrados

NELSON ASCHER
da Equipe de Articulistas

Brian DePalma, cujo "Olhos de Serpente", com Nicolas Cage e Gary Sinise, estréia hoje em São Paulo, dirigiu alguns dos melhores filmes de suspense das três últimas décadas e, se não chegou a se tornar um mestre consumado do gênero como Alfred Hitchcock, pode-se pelo menos dizer que é seu discípulo mais aplicado.
Muitas de suas tramas são variações, combinações ou paródias de temas hitchcockianos. Por exemplo, o ponto de partida de "Trágica Obsessão" é "Um Corpo Que Cai" e o de "Dublê de Corpo", "Janela Indiscreta". Citações e homenagens ao seu inspirador aparecem não só nas tramas, mas também nas menores dobras do celulóide depalmiano.
Não é só disso, porém, que se compõem seus filmes. Ao contrário do diretor de "Psicose", DePalma deixou frequentemente o âmbito mais ou menos realista daquele para se aventurar no horror puro e simples, como em "Carrie, a Estranha".
Ele amalgamou gêneros aparentemente imiscíveis até então (a espionagem e o sobrenatural, em "A Fúria") ou histórias distintas ("Fausto" e "O Fantasma da Ópera", em "O Fantasma do Paraíso", que é, além disso, um musical de terror). E realizou também remakes bem-sucedidos: "Scarface", "Os Intocáveis".
Sua marca registrada, no entanto, é divertir-se com o que o cinema tem de ficcional, de ilusório, de truque, de "trompe l'oeil", em uma palavra, de cinematográfico. Se há um recurso que ele elegeu como favorito é o de primeiro mostrar quase didaticamente como é que um filme pode assustar a platéia e, a despeito disso, assustá-la logo em seguida.
Mais do que metacinema (ou seja, cinema sobre o cinema), o que Brian DePalma pratica é um tipo de humor que, além de atenção do grande público, traz-lhe também a dos cinéfilos.
² Fases
Sua carreira se divide em três fases: os filmes barrocos e grotescos dos anos 70 ("Carrie", "O Fantasma" etc.); sua trilogia da primeira metade dos anos 80 ("Vestida para Matar", "Blow Out" e "Dublê de Corpo"), filmes de orçamento relativamente baixo que, usando os recursos de modo intricado, preciso e lacônico, talvez sejam sua principal contribuição ao cinema; e finalmente as superproduções ("Os Intocáveis", "Missão Impossível" etc.).
Pouca gente diria que o cinema americano se encontra em sua fase mais robusta ou saudável. E seu lamentável estado atual se deve, paradoxalmente, a um excesso de verbas. Quando, ultrapassando orçamentos de US$ 100 milhões, um filme não é mais feito por uma grande empresa, mas é ele mesmo uma megaempresa, a necessidade de minimizar riscos leva os produtores a investirem no previsível hardware tecnológico, sobretudo efeitos especiais, em detrimento de qualquer espécie imprevisível de software humano.
Embora sua melhor fase seja coisa do passado, DePalma, mesmo recorrendo aos efeitos especiais (por exemplo, a grande cena do helicóptero "perseguindo" o trem no túnel em "Missão Impossível"), tem seu lugar garantido entre os bons cineastas de hoje, porque não abriu mão daquilo que realmente assegura a qualidade cinematográfica: boas idéias, bons roteiros e bons atores.



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