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"AMOR À FLOR DA PELE"
Diretor traz elipse do tempo à tona em romance subterrâneo
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA
Wong Kar-wai não é um
diretor fácil de abordar. A
maneira como trata a imagem
tende a colocar uma barreira entre o filme e o espectador e remetê-lo para outra parte, ora o videoclipe, ora o filme publicitário.
"Amor à Flor da Pele", título de
sonoridade deplorável, parece,
visto exclusivamente por aí, um
desses filmes que procuram seduzir o espectador pelo efeito, pela
firula da publicidade.
Em um país como o Brasil, isso é
até compreensível, já que falamos
a um público que aprecia os
anúncios e acredita que nossos
longas sejam incompetentes.
Em um lugar como Hong Kong,
onde a população, ao contrário, é
adepta de seus próprios filmes, isso soa mais estranho. De modo
que, à primeira vista, Kar-wai pode ser visto como um cineasta
apenas afetado.
Aos poucos, no entanto, esse
"Amor à Flor da Pele" mostra outra face, diretamente ligada a seu
argumento. Lá estão um homem
e uma mulher, passados para trás
pelos respectivos cônjuges. Eles
moram no mesmo prédio. Eles se
aproximam aos poucos, eles se
apaixonam. A dúvida que se instala persistirá até o final: o que
acontecerá com esse amor? Vai se
consumar ou não?
O tratamento publicitário se fará sentir sobretudo nas vestimentas, em particular as da mulher.
No começo, sentimo-nos desacorçoados com o que parece mais
um desfile de moda (a cada sequência, uma roupa).
Aos poucos, notamos que essa é
a maneira escolhida pelo diretor
de observar o correr do tempo, já
que Kar-wai trabalha em um sistema narrativo fundado radicalmente sobre a elipse. O único
tempo que nos é dado ver é o dos
namorados. Tudo mais é suprimido.
Da mesma forma, suprimem-se
todos os personagens ligados diretamente à trama e que não sejam os namorados. Em nenhum
momento, por exemplo, entram
na trama os cônjuges. Eles só existem na imaginação dos namorados -e na nossa.
Com isso, Kar-wai termina por
contar uma bela história de amor
fundada sobre a ausência dos parceiros e a compressão do tempo,
cujo apogeu está, sem dúvida, na
bela sequência em que a mulher
conversa com o marido, mas um
momento depois percebemos
que se trata na verdade do namorado, fazendo o papel do marido.
Mais do que uma astúcia de narrador, trata-se simplesmente de
reencontrar o charme do flerte,
esse momento das relações amorosas marcado pelo devir: nada
do que é importa, a não ser pelas
consequências que ali possam se
engendrar. Captar esse momento
é, sem dúvida, o grande mérito
desta crônica de um romance
subterrâneo, onde nada está à flor
da pele.
Amor à Flor da Pele
In the Mood for Love
Direção: Wong Kar-wai
Produção: Hong Kong, 2000
Com: Maggie Cheung e Tony Leung
Quando: dias 27, às 15h45, no Vitrine;
29, às 20h15, no Cinearte; 31, às 17h10,
no Unibanco; e 2, às 21h20, no Cinesesc
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