São Paulo, quarta-feira, 25 de outubro de 2000

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"AMOR À FLOR DA PELE"
Diretor traz elipse do tempo à tona em romance subterrâneo

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Wong Kar-wai não é um diretor fácil de abordar. A maneira como trata a imagem tende a colocar uma barreira entre o filme e o espectador e remetê-lo para outra parte, ora o videoclipe, ora o filme publicitário.
"Amor à Flor da Pele", título de sonoridade deplorável, parece, visto exclusivamente por aí, um desses filmes que procuram seduzir o espectador pelo efeito, pela firula da publicidade.
Em um país como o Brasil, isso é até compreensível, já que falamos a um público que aprecia os anúncios e acredita que nossos longas sejam incompetentes.
Em um lugar como Hong Kong, onde a população, ao contrário, é adepta de seus próprios filmes, isso soa mais estranho. De modo que, à primeira vista, Kar-wai pode ser visto como um cineasta apenas afetado.
Aos poucos, no entanto, esse "Amor à Flor da Pele" mostra outra face, diretamente ligada a seu argumento. Lá estão um homem e uma mulher, passados para trás pelos respectivos cônjuges. Eles moram no mesmo prédio. Eles se aproximam aos poucos, eles se apaixonam. A dúvida que se instala persistirá até o final: o que acontecerá com esse amor? Vai se consumar ou não?
O tratamento publicitário se fará sentir sobretudo nas vestimentas, em particular as da mulher. No começo, sentimo-nos desacorçoados com o que parece mais um desfile de moda (a cada sequência, uma roupa).
Aos poucos, notamos que essa é a maneira escolhida pelo diretor de observar o correr do tempo, já que Kar-wai trabalha em um sistema narrativo fundado radicalmente sobre a elipse. O único tempo que nos é dado ver é o dos namorados. Tudo mais é suprimido.
Da mesma forma, suprimem-se todos os personagens ligados diretamente à trama e que não sejam os namorados. Em nenhum momento, por exemplo, entram na trama os cônjuges. Eles só existem na imaginação dos namorados -e na nossa.
Com isso, Kar-wai termina por contar uma bela história de amor fundada sobre a ausência dos parceiros e a compressão do tempo, cujo apogeu está, sem dúvida, na bela sequência em que a mulher conversa com o marido, mas um momento depois percebemos que se trata na verdade do namorado, fazendo o papel do marido.
Mais do que uma astúcia de narrador, trata-se simplesmente de reencontrar o charme do flerte, esse momento das relações amorosas marcado pelo devir: nada do que é importa, a não ser pelas consequências que ali possam se engendrar. Captar esse momento é, sem dúvida, o grande mérito desta crônica de um romance subterrâneo, onde nada está à flor da pele.

Amor à Flor da Pele
In the Mood for Love
   
Direção: Wong Kar-wai
Produção: Hong Kong, 2000
Com: Maggie Cheung e Tony Leung
Quando: dias 27, às 15h45, no Vitrine; 29, às 20h15, no Cinearte; 31, às 17h10, no Unibanco; e 2, às 21h20, no Cinesesc


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