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"DOLCE"
Sokurov volta ao luto do pós-guerra com poeta kamikaze
ESPECIAL PARA A FOLHA
Se o cinema do russo Alexander Sokurov costuma ser
comparado, apressadamente, ao
de seu compatriota Tarkovski, é
por ser concebido enquanto imagem direta do tempo. A linhagem
de Sokurov não passa apenas por
Tarkovski, mas por todo o cinema moderno do pós-guerra.
Tanto mais que, em Sokurov, a
imagem-tempo reencontra a sua
expressão original: o luto. Sim, o
luto da guerra, sob o qual nasceu
o novo cinema. Assim, entre
"Mãe e Filho" e seu novo "Dolce",
dois filmes sobre o luto, Sokurov
realizou o fundamental "Moloch", obra-prima em que devolvia o personagem de Hitler à ficção (de onde nunca deveria ter
saído), dando cabo ao projeto de
Syberberg afinal. Se, como dizia o
cineasta alemão, "Hitler está em
nós", é preciso recuperar o que ele
nos roubou, o seu personagem,
tal como fizera Chaplin, retomando posse sobre o seu bigode em
"O Grande Ditador".
Em "Moloch", Sokurov não deixava de se reportar, numa bela sequência, à proposição/provocação de Syberberg: Hitler deve ser
encarado como um cineasta. Era
o que já salientara o crítico Serge
Daney: o cinema clássico culminara num modelo teatral-propagandístico do qual Hitler, com
grandes encenações em massa,
aproveitar-se-ia como ninguém.
Daney notava que, em reação a
esse modelo, o cinema moderno
ensaiara, na planura de suas imagens, um retorno à pintura. E aqui
encontramos, mais uma vez, a arte de Sokurov: se, em "Moloch", o
cineasta reenquadrava Hitler nos
espaços e paisagens de Caspar-Friedrich, cujas pinturas fizeram
parte do imaginário nazista, em
"Dolce", ele parte da pintura japonesa para nos contar a história de
um poeta kamikaze.
Trata-se da história real de Toshio Shimao, escritor japonês que,
após dedicar a juventude à poesia,
alistou-se num esquadrão kamikaze durante a Segunda Guerra.
Pouco antes de cumprir sua missão suicida, no entanto, ele se
apaixonou por uma professora,
com quem, ajudado pelo acaso,
acabou constituindo família.
"Dolce" são páginas do livro da
vida da família: a história, revelada em fotos, de como a família foi
parar numa ilha ao sul do Japão,
mas, sobretudo, a cerimônia, retratada em "tableaux", de um luto. O luto da filha e da viúva de
Shimao, protagonistas do filme.
E, como esse luto é a própria imagem-tempo, ele logo se revela, na
memória da viúva, Miho, muito
mais antigo.
(TMM)
Dolce
Dolce
Direção: Alexander Sokurov
Produção: Rússia, 2000
Quando: hoje, às 14h30, na Sala UOL
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