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CINEMA/ESTRÉIA
"CÓDIGOS DE GUERRA"
Diretor faz o mais profundo de seus filmes americanos
John Woo ataca a guerra e questiona identidade
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
"Códigos de Guerra" se define nas imagens de abertura. Primeiro vê-se um rio. Depois, desse rio surge uma borboleta que levanta vôo. Em seguida, o
rio lentamente se tolda de sangue.
Por fim, um soldado entra na
água sangrenta e dispara sua metralhadora.
Estamos na Segunda Guerra. A
última "guerra justa". Existe uma
nação, os EUA, tentando ganhar
terreno na Ásia. Para evitar que os
japoneses, seus inimigos, continuem decifrando os códigos, o
Exército apela a um grupo de índios navajos, que se responsabilizarão pelas mensagens cifradas,
usando para isso uma língua desconhecida pelo inimigo.
Nicolas Cage é o sargento que
comanda um grupo de soldados
americanos, mais dois índios navajos. Daí se deduz que "navajos"
são uma coisa, e "americanos",
outra. Isto é, dentro dos EUA existem nações "estrangeiras", indígenas, vencidas em guerras passadas e nunca integradas de fato.
À parte os navajos, o comando
que Cage lidera é integralmente
composto de brancos. Não há
aqui o já tradicional "bom crioulo" com que, nos últimos anos, o
cinema americano tenta resgatar
décadas de racismo. Mas também
os brancos não chegam a compor
uma maioria una. Existe o italiano, o grego etc. Existe até mesmo
o descendente de conquistadores
do Oeste, que não suporta índios.
Bem ou mal, esses brancos se
entendem. Os navajos, no entanto, representam a própria alteridade. Sua simples presença rompe a homogeneidade branca.
Em outras, eles se parecem com
os japoneses a ponto de, em dado
momento, um deles, Ben Yazhee,
usar um uniforme japonês como
disfarce. Caberá a Yazhee protagonizar aqui a cena clássica dos
filmes de John Woo: dois homens
se encontram frente a frente, armados, prestes a se matar. Contudo algo os detém, como se matar
o outro fosse matar a si mesmo.
Woo explora melhor do que
ninguém a ambiguidade da formação dos EUA, país de imigrantes. Ninguém nasce americano, já
se disse: torna-se. Yazhee e seu
amigo Charlie Whitehorse estão
dispostos a isso. Mas, se são os inimigos de ontem e agora (anos 40)
deixaram de sê-lo, não é possível
imaginar que daqui a 50 anos os
japoneses serão amigos e existirá
outro povo a ser conquistado?
Talvez essas idéias, que passam
pela cabeça de um soldado, sejam
o ponto fraco do filme, na medida
em que explicitam, com palavras,
aquilo que as imagens de Woo fazem ver com toda a força: nenhuma guerra é justa, nem mesmo a
Segunda. Fraqueza momentânea,
descartável, pois o que este filme
nos faz sentir na pele é a guerra
como carnificina hedionda.
John Woo faz aqui um anti-"Soldado Ryan" e se mostra discípulo de Samuel Fuller, para quem
o único heroísmo, na guerra, é sobreviver. Raciocínio que Woo parece completar com um "nem isso". Raciocínio, no mais, que parece jogar na cara dos senhores da
guerra americanos (e dos americanos belicistas em geral), no momento mesmo em que eles se preparam com cuidado para mais
uma empreitada de conquista.
Com "Códigos de Guerra",
Woo produz o mais profundo de
seus filmes americanos e uma das
reflexões mais provocantes sobre
e contra a guerra, já que, simultaneamente, ataca a matança e se
indaga sobre a identidade do povo americano e o persistente fantasma da alteridade.
Códigos de Guerra
Windtalkers
Direção: John Woo
Produção: EUA, 2002
Com: Nicolas Cage, Christian Slater,
Adam Beach
Quando: a partir de hoje nos cines
Central Plaza, Continental, Interlagos e
circuito
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