São Paulo, sexta-feira, 25 de outubro de 2002

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RÉPLICA

A presença do Estado na cultura brasileira

PAULA LAVIGNE
ESPECIAL PARA A FOLHA

A elaboração de um programa de governo é o jogo que se faz com elementos ideais e reais para a consolidação de uma sociedade mais desenvolvida.
Dessa forma, elaborou-se um programa para o candidato à Presidência José Serra que contempla as forças que devem orientar a política cultural de Estado: atuação estratégica, forte e orientadora de conduta do Estado, promoção da relação do Estado com a indústria cultural, fortalecimento do sistema de gestão dos direitos autorais, alterações nas leis de incentivo e muitos outros pontos.
Minha preocupação de imediato com a reportagem publicada no dia 23/10/02 (Ilustrada, pág. E1), intitulada "Serra quer que governo apóie indústria cultural", é esclarecer o conteúdo das declarações e do programa do candidato José Serra, especialmente em relação à inexistente dicotomia apontada na reportagem e que não revela as grandes disparidades entre os programas, pelo menos não nos pontos levantados.
Da leitura do texto parece que há situação de conflito entre a presença ou não do Estado na cultura, de carona na tradicional dicotomia que há entre esquerda estatista e esquerda liberal.
Não existe divergência em que o Estado atue fortemente na realização da política cultural, e quando se diz no programa de José Serra que o "Ministério da Cultura (irá) definir e orientar as iniciativas dos mais diversos ministérios, empresas estatais no campo cultural", sabe-se que o Estado atuará não somente por meio do Ministério da Cultura para a promoção dos valores de nossa cultura, mas como um tema de governo, essencialmente político, verdadeiramente público.
Realmente é muito pouco dizer que a intervenção na cultura ocorrerá por meio do Estado se não se atribui a ele o direcionamento estratégico, catalisador das iniciativas privadas e gerador de oportunidades.
A edição deixou de lado preocupações de Estado que estiveram na entrevista e estão no programa, como por exemplo a ampliação da oferta cultural, descentralização dos centros de difusão, entre outros.
Não é porque se pretende um diálogo entre governo e indústria cultural que não se busca o reforço da presença do Estado, como descrito na reportagem.
Uma coisa não exclui a outra, por dois motivos: a cultura deve ter orçamento público e orientação política e estratégica para sua aplicação, e ainda que seja para reforçar a produção cultural, consumo, exportação e acesso por meio dos agentes privados de cultura, isso somente poderia ocorrer de forma organizada, efetiva e no seio da política cultural com a presença forte de um Estado. Ter o Estado no centro da política cultural, portanto, não representa um ponto de divergência. Deixar a indústria cultural de fora, sim, é um ponto de preocupação.
A orientação cultural não pode prescindir das forças de mercado, que se estruturam com tanta dificuldade e que tem um importante papel social. A cada milhão investido em cultura, 160 novos empregos são gerados.
Por maior que seja a intervenção estatal nesse campo, em primeiro lugar, não daria conta de atender a todas as demandas e proporcionar a experiência cultural da grande massa nacional, em segundo, não se permitiria a espontaneidade das expressões culturais e os meios de financiamento privado.
O projeto de cultura dos candidatos, além do mais, precisa propor um remodelamento da gestão coletiva dos direitos autorais que reforce as condições para a criatividade dos autores. Nessa linha, Serra propõe a criação da Agência Nacional de Direito Autoral.
Para as leis de incentivo à cultura propõe-se o aumento da dedução para as menores empresas, entre outras propostas concretas e factíveis.
Acreditando nesses elementos, reforço a capacidade idealizadora do programa de José Serra, programática de uma ação responsável do Ministério da Cultura e que promova os conceitos centrais para o desenvolvimento com equilíbrio de forças de nosso país, do privado e do público.


Paula Lavigne, 31, é atriz e empresária; foi encarregada pela coordenação da campanha de José Serra (PSDB) de responder pelo programa de cultura do presidenciável

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