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FESTIVAL DE BRASÍLIA
"Latitude Zero" é um dos dois inéditos da competição
Claustrofobia invade hoje o cerrado
JOSÉ GERALDO COUTO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
Um "huis clos" na vastidão do
Planalto Central. Esse aparente
paradoxo pode ser uma boa definição do longa-metragem "Latitude Zero", de Toni Venturi, que
compete hoje no 38º Festival de
Cinema de Brasília.
O filme, baseado em peça teatral
inédita de Fernando Bonassi, concentra-se na crispada relação entre dois personagens vindos de
uma grande cidade que se encontram numa área abandonada, outrora ocupada pelo garimpo.
Ela, Lena (Débora Duboc), cuida de um bar de beira de estrada
onde não pára ninguém. Ele, Vilela (Cláudio Jaborandy), é um ex-PM expulso da corporação por ter
matado um inocente numa operação policial.
A unir os dois, há um personagem que não aparece, o comandante Mattos. É de Mattos o filho
na barriga de Lena, e foi Mattos
quem orientou Vilela a buscar
abrigo com ela, para fugir de uma
prisão iminente.
"Latitude Zero" é um dos dois
longas totalmente inéditos deste
festival (o outro é "O Chamado de
Deus", de José Joffily). A Folha teve acesso a uma cópia não finalizada do filme de Venturi.
Do fiapo de história resumido
acima, Venturi construiu um drama de atmosfera densa, que lembra o ambiente claustrofóbico de
certas peças de Sam Shepard
("Fool for Love", especialmente) e
dos filmes mais pessoais de David
Mamet, como "Oleanna" ou
"American Buffalo". Este último,
aliás, é uma referência assumida
pelo diretor.
"Eu tinha a possibilidade de
usar "flashbacks", de contar a história pregressa dos personagens
em imagens. Mas optei por preservar essa proposta moderna da
dramaturgia de Bonassi que é a da
história em tempo real", disse
Venturi à Folha.
Segundo o diretor, a peça, um
dos primeiros textos de Bonassi,
era "uma pepita de ouro bruta
que precisava ser lapidada".
E houve, de fato, muita lapidação. O roteiro, de Di Moretti, foi
selecionado em 98 para o laboratório do Sundance Institute, onde
teve como consultores, entre outros, o norte-americano Curtis
Hanson (diretor de "Los Angeles,
Cidade Proibida") e os roteiristas
brasileiros Giba Assis Brasil e Jorge Durán.
Pronto o roteiro, Venturi partiu
para a escolha da locação. Depois
de vasculhar o interior do país,
acabou escolhendo um garimpo
abandonado em Poconé (MT),
pela mistura de largos horizontes
e paisagem devastada.
O passo seguinte foi uma minuciosa preparação que viabilizasse
o filme dentro de um orçamento
de menos de R$ 1 milhão.
Num galpão da zona leste de
São Paulo, construiu-se um cenário idêntico ao que seria usado em
Poconé, e ali o filme foi ensaiado
durante sete semanas com os atores e toda a equipe.
Rascunho digital
Com uma câmera de vídeo,
Venturi fez uma espécie de rascunho do filme, um "storyboard digital", como ele gosta de dizer.
Além disso, os atores também
fizeram um trabalho de pesquisa
para os seus papéis.
Débora Duboc (atriz teatral e
mulher de Venturi) frequentou
hospitais públicos para observar
o gestual das gestantes.
Por sua vez, Claudio Jaborandy
(ator teatral de Fortaleza, protagonista do curta "O Náufrago")
fez estágio na PM, comendo no
refeitório da corporação, fazendo
exercícios com os soldados.
Todo esse trabalho prévio permitiu que as filmagens em Poconé
tomassem apenas quatro semanas, em junho de 99.
O resultado é um filme forte e
desigual, que foge deliberadamente do naturalismo hollywoodiano que tem predominado em
nosso cinema.
Para Venturi, que antes havia
realizado o documentário "O Velho - A História de Luiz Carlos
Prestes", a crítica mais rasa que se
pode fazer a "Latitude Zero" é
acusá-lo de "teatro filmado".
"O filme tem um prólogo em
que tudo está desproporcional",
diz. "Lena está num estado quase
animalesco, e tudo está num tom
mais alto, teatral, solene. Depois
disso, tentamos trazer o filme para as ações físicas, construindo a
narrativa de modo mais cinematográfico."
De fato, um dos pontos altos do
filme é o aproveitamento estético
e dramático da estranha paisagem
em que os protagonistas se amam
e se digladiam.
O ponto fraco talvez esteja na
artificialidade de certos diálogos,
em que a intenção didática de
contar "sutilmente" a história
acaba comprometendo a fluência
do drama.
De todo modo, "Latitude Zero"
é pessoal e corajoso, um filme que
não se contenta em trilhar caminhos confortáveis. Em vez disso,
arrisca-se a abrir novos horizontes -e isso é de uma grandeza admirável.
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