São Paulo, sábado, 25 de novembro de 2000

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FESTIVAL DE BRASÍLIA
"Latitude Zero" é um dos dois inéditos da competição
Claustrofobia invade hoje o cerrado

JOSÉ GERALDO COUTO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Um "huis clos" na vastidão do Planalto Central. Esse aparente paradoxo pode ser uma boa definição do longa-metragem "Latitude Zero", de Toni Venturi, que compete hoje no 38º Festival de Cinema de Brasília.
O filme, baseado em peça teatral inédita de Fernando Bonassi, concentra-se na crispada relação entre dois personagens vindos de uma grande cidade que se encontram numa área abandonada, outrora ocupada pelo garimpo.
Ela, Lena (Débora Duboc), cuida de um bar de beira de estrada onde não pára ninguém. Ele, Vilela (Cláudio Jaborandy), é um ex-PM expulso da corporação por ter matado um inocente numa operação policial.
A unir os dois, há um personagem que não aparece, o comandante Mattos. É de Mattos o filho na barriga de Lena, e foi Mattos quem orientou Vilela a buscar abrigo com ela, para fugir de uma prisão iminente.
"Latitude Zero" é um dos dois longas totalmente inéditos deste festival (o outro é "O Chamado de Deus", de José Joffily). A Folha teve acesso a uma cópia não finalizada do filme de Venturi.
Do fiapo de história resumido acima, Venturi construiu um drama de atmosfera densa, que lembra o ambiente claustrofóbico de certas peças de Sam Shepard ("Fool for Love", especialmente) e dos filmes mais pessoais de David Mamet, como "Oleanna" ou "American Buffalo". Este último, aliás, é uma referência assumida pelo diretor.
"Eu tinha a possibilidade de usar "flashbacks", de contar a história pregressa dos personagens em imagens. Mas optei por preservar essa proposta moderna da dramaturgia de Bonassi que é a da história em tempo real", disse Venturi à Folha.
Segundo o diretor, a peça, um dos primeiros textos de Bonassi, era "uma pepita de ouro bruta que precisava ser lapidada".
E houve, de fato, muita lapidação. O roteiro, de Di Moretti, foi selecionado em 98 para o laboratório do Sundance Institute, onde teve como consultores, entre outros, o norte-americano Curtis Hanson (diretor de "Los Angeles, Cidade Proibida") e os roteiristas brasileiros Giba Assis Brasil e Jorge Durán.
Pronto o roteiro, Venturi partiu para a escolha da locação. Depois de vasculhar o interior do país, acabou escolhendo um garimpo abandonado em Poconé (MT), pela mistura de largos horizontes e paisagem devastada.
O passo seguinte foi uma minuciosa preparação que viabilizasse o filme dentro de um orçamento de menos de R$ 1 milhão.
Num galpão da zona leste de São Paulo, construiu-se um cenário idêntico ao que seria usado em Poconé, e ali o filme foi ensaiado durante sete semanas com os atores e toda a equipe.

Rascunho digital
Com uma câmera de vídeo, Venturi fez uma espécie de rascunho do filme, um "storyboard digital", como ele gosta de dizer.
Além disso, os atores também fizeram um trabalho de pesquisa para os seus papéis.
Débora Duboc (atriz teatral e mulher de Venturi) frequentou hospitais públicos para observar o gestual das gestantes.
Por sua vez, Claudio Jaborandy (ator teatral de Fortaleza, protagonista do curta "O Náufrago") fez estágio na PM, comendo no refeitório da corporação, fazendo exercícios com os soldados.
Todo esse trabalho prévio permitiu que as filmagens em Poconé tomassem apenas quatro semanas, em junho de 99.
O resultado é um filme forte e desigual, que foge deliberadamente do naturalismo hollywoodiano que tem predominado em nosso cinema.
Para Venturi, que antes havia realizado o documentário "O Velho - A História de Luiz Carlos Prestes", a crítica mais rasa que se pode fazer a "Latitude Zero" é acusá-lo de "teatro filmado".
"O filme tem um prólogo em que tudo está desproporcional", diz. "Lena está num estado quase animalesco, e tudo está num tom mais alto, teatral, solene. Depois disso, tentamos trazer o filme para as ações físicas, construindo a narrativa de modo mais cinematográfico."
De fato, um dos pontos altos do filme é o aproveitamento estético e dramático da estranha paisagem em que os protagonistas se amam e se digladiam.
O ponto fraco talvez esteja na artificialidade de certos diálogos, em que a intenção didática de contar "sutilmente" a história acaba comprometendo a fluência do drama.
De todo modo, "Latitude Zero" é pessoal e corajoso, um filme que não se contenta em trilhar caminhos confortáveis. Em vez disso, arrisca-se a abrir novos horizontes -e isso é de uma grandeza admirável.


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