São Paulo, terça-feira, 25 de novembro de 2008

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Calígula cabeça

Estréia versão sóbria e recatada da peça de Camus, com direção de Gabriel Villela

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
Senadores de Roma (à frente) adoram Vênus (na verdade, Calígula caracterizado como a deusa) no ensaio da peça dirigida por Gabriel Villela, em SP

LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Não existe forma de provar que se é livre a não ser à custa de alguém. Alguém sempre paga o preço da nossa liberdade."
Na peça "Calígula", de Albert Camus (1913-1960), o sofisma do imperador romano do título servirá de deixa a sentenças de morte arbitrárias, confisco de poupanças, abusos sexuais e toda sorte de atrocidades. Após a morte de sua amada Drusilla, a "justeza do universo" não mais lhe serve. Apresentado à angústia e ao desespero, ele passa a buscar o impossível -e não haverá lei, moral ou sentimento que o detenha.
"Calígula percebe que os homens nascem, crescem e morrem sem ser felizes. Depois de três dias desaparecido, volta como um suicida superior. Tendo o mundo nas mãos, precisa estender a autodestruição a uma destruição coletiva, em massa. Não pode sobrar Roma", explica Gabriel Villela, diretor da remontagem do texto que estréia na sexta, com Thiago Lacerda no papel-título.
Aqui, Villela deixa o "estado de confinamento paulistano" de seu trabalho anterior ("Salmo 91", adaptação do livro "Estação Carandiru" da qual "importou" quase todos os atores) para abraçar a "angústia do confinamento terreno" de Camus. Nessa transição, teve papel central um retiro na casa do diretor, no interior de Minas.
"Ali optamos [ele e o elenco] pelo distanciamento, por uma linguagem mais brechtiana em que o ator não vivencia a emoção, só a conta. Tinha a sensação de que, numa empostação mais clássica, o texto poderia ficar meio cafonão", diz Villela, que suavizou a carga erótica associada ao imperador: "Teria de ser muito rebuscado, meio "Satyricon" do Fellini para chegar naquela lascívia [do imaginário de Calígula]. O espetáculo indica, sugere isso mais do que representa".

Sóbrio ou barroco?
O elogio da sobriedade, não custa lembrar, vem de um encenador projetado no barroquismo de "Romeu e Julieta" e "A Rua da Amargura" (ambas do Grupo Galpão): "Uma das formas de dialetizar o barroco, para mim, é brigar com o excesso de torneamento dado pelo corpo, pelo movimento, e segurar a voz em torno do cérebro, do coração e da projeção épica disso".
Cenário e figurinos discretos também estão a serviço desse "teatro de idéias, de argumentação". O primeiro é tomado por bobinas de pano, onde se prostram os senadores. A bobina central, de papel, faz as vezes de trono de Calígula: "O imperador é um apaixonado por papéis, máscaras, personas", explica Villela. "Obriga os senadores a vestirem máscaras para contracenar com ele".
Como na cena em que, caracterizado de Vênus, Calígula os força a se passarem por clowns para adorá-lo. Tudo para provar que, nas artes dramáticas, "qualquer um pode ser Deus" e que "o maior equívoco dos homens é não acreditar suficientemente no teatro".
Discurso que, sintomaticamente, Camus põe na boca de um déspota "em um dos momentos de maior grossura da humanidade [a versão final da peça é de 1944]", como aponta o ator Pascoal da Conceição, que faz Cherea, o antagonista: "Camus se serve de Calígula porque é uma vida vivida na potência. Ele faz o que vem no coração dele, tem liberdade absoluta", diz, referindo-se à imagem de predador sexual e aniquilador convicto do personagem. "Mas esse texto foi concebido num momento em que a vida não tinha qualquer chance de despontar."


CALÍGULA
Quando: estréia nesta sexta; sex. e sáb., às 21h; dom., às 18h; até 21/12
Onde: Sesc Pinheiros - teatro Paulo Autran (r. Paes Leme, 195; tel. 0/xx/ 11/3095-9400)
Quanto: R$ 20
Classificação: não recomendado a menores de 14 anos



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