São Paulo, terça-feira, 25 de dezembro de 2001

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O milagre da multiplicação das biografias


Livros que contam a vida de santos vivem "boom" no mercado editorial brasileiro


CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Em 2001, o mercado editorial acendeu velas para um segmento que andava bastante apagado. Um dos gêneros mais antigos de literatura conhecidos, a biografia de santos ganhou impulso mesmo fora de editoras católicas e termina o ano canonizado como sucesso de venda.
Os exemplos se multiplicam, assim como os títulos disponíveis. Um dos maiores, em mais de um sentido, é o "milagre" de "São Luís". Escritas pelo prestigiado historiador francês Jacques Le Goff, as quase 900 páginas com a história da vida do santo que reinou a França no século 13 foram publicadas com tiragem modesta.
Os 2.000 exemplares de "São Luís" não demoraram nem um mês para sumir das prateleiras. Foram impressos mais 4.000. Também se esgotaram. Em menos de seis meses, já haviam sido vendidas mais de 15 mil cópias.
"Foi uma resposta excepcional", vibra a editora Luciana Villas-Boas. Responsável pela linha editorial da Record e da Civilização Brasileira, ela virou uma espécie de "padroeira" do gênero.
Depois de "São Luís", a Record publicou "São Francisco de Assis", também de Le Goff, e "Joana d'Arc", no qual o canônico Mark Twain biografa a guerreira e santa francesa. Este mês, a editora lança Teresa de Ávila, da ensaísta Elisabeth Reynaud, sobre a santa mística espanhola, fundadora da ordem das carmelitas descalças.
"Descobrimos um público católico altamente sofisticado", diz Villas-Boas, que já prepara para 2002 o lançamento de uma biografia clássica de santo Agostinho, escrita em 1967 pelo historiador inglês Peter Brown.
O crescimento de interesse por biografias de santos também é notado por editoras especializadas em livros religiosos.
"Nos anos 70 e 80, no Brasil e na América Latina, houve um movimento religioso voltado para a transformação social. Os santos perderam para os mártires e para Jesus Cristo libertador a primeira linha no devocionário do povo. Hoje temos um movimento contrário", diz frei Antonio Mozer, diretor-presidente da Vozes, casa editorial de Petrópolis (RJ) que acaba de completar cem anos.
"O povo está voltando à religiosidade de anos anteriores. Voltam as procissões, diminui o senso crítico com relação à política, aumenta o devocionismo", conta. "Infelizmente, porque quando os santos populares voltam com muita força afastam os cristãos das lutas na terra."
Voltada para as "transformações sociais", a Vozes publica com mais regularidade obras sobre santos tidos como mais progressistas, caso das biografias relançadas este ano "Santo Antônio: Vida, Milagres, Culto", de frei Basílio Röwer, e "São Francisco de Assis", de Maria Sticco.
O santo italiano, defensor da "pobreza como caminho da salvação", é, aliás, o objeto do maior número de biografias no mercado brasileiro. Este mês chega às livrarias mais uma. A jovem Sá Editora, que vem publicando bons títulos de literatura, como "A Noite dos Desesperados", de Horace McCoy, está lançando "Irmão Sol - Cenas da Vida de São Francisco de Assis". O livro, da americana Valerie Martin, usa linguagem literária para contar a vida de Francesco Bernardone, nome de batismo do santo nascido em Assis.
"É fácil entender a devoção enorme que há no Brasil a são Francisco. Os franciscanos estão no país desde a Descoberta", lembra frei Mozer.
Para Fernando Altemeyer Jr., professor de teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a grande procura pelo conhecimento da vida de são Francisco ou de qualquer outro santo passa pelo aspecto exemplar que envolve esses personagens. "De um modo geral, as pessoas estão em busca de exemplos. De personalidades que possam servir como âncora ou paradigma na loucura do viver", opina Altemeyer.
Mas o professor recorre a um humanista do século 16 para chamar atenção à idéia que nem sempre essa "âncora" é positiva ao devoto. "Erasmo de Roterdã dizia que a devoção a santos é, em muitos casos, uma mediocridade, porque queremos que eles, santos, façam as coisas por nós."


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