São Paulo, terça-feira, 25 de dezembro de 2001

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DANÇA

Artista brasileira homenageia Oskar Schlemmer (1888-1943), professor da histórica escola multidisciplinar Bauhaus

Coreógrafa Lia Rodrigues leva sua arte para Portugal

INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

No próximo dia 18, a coreógrafa Lia Rodrigues estréia em Portugal seu mais novo trabalho. A convite da Culturgest, que realiza anualmente homenagens a grandes figuras da dança, ela e mais duas criadoras (Lúcia Sigalho e Catherine Diverrès) vão apresentar coreografias de 20 minutos cada, em homenagem ao coreógrafo Oskar Schlemmer (1888-1943), professor da histórica escola multidisciplinar Bauhaus.
Grande nome na dança brasileira da atualidade, além de coreógrafa Lia é coordenadora artística da mostra BNDES/Artes em Ação Social, representante da Rede de Promotores Culturais da América Latina e organizadora do Panorama Rio Arte de Dança.
O novo espetáculo já tem nome: "Buscou-se, Portanto, Falar a Partir Dele e Não Sobre Ele". Mais que um nome, é virtualmente uma resposta à primeira pergunta que Lia se fez: "O que é prestar uma homenagem a alguém?". Como ela explica, a dificuldade era descobrir um modo "hoje, aqui, de pensar na figura de Schlemmer e dar um presente a ele".
Para Lia, o desafio é resgatar a figura de Schlemmer como grande personagem da dança, e estímulo para a criação "revolucionária e libertária da arte". Ela vai mais longe: "Penso na arte como instrumento de conhecimento, e o conhecimento é o primeiro passo para a mudança. Vejo a cultura como geradora de dignidade e cidadania. A arte é o lugar da inquietude, do caos, onde a gente se faz perguntas e muitas vezes fica sem resposta. É um não-saber, que nos move".
Esse tipo de inquietação soa característico e vem gerando muitos bons frutos na carreira da coreógrafa: vale ressaltar a importância do Panorama, idealizado por Lia, e cuja trajetória, nesta última década, afetou marcadamente os rumos da dança no Rio (quem quiser saber mais sobre o Panorama pode consultar o livro "Coreografia de uma Década", organizado pela jornalista Adriana Pavlova e por um dos curadores do próprio festival, Roberto Pereira, e publicado recentemente pela editora Casa da Palavra).
Segundo Lia, o Panorama surgiu de um convite feito pelo RioArte, em 1992, para fazer uma mostra de dança. "Foi um sucesso tão grande que as edições foram se sucedendo e o orçamento cresceu. Hoje é de aproximadamente US$ 125 mil, para uma programação de 12 dias, com espetáculos a preços populares (o equivalente a US$ 2). O Panorama serve para lançar criadores brasileiros, mas almeja ser também "um espaço de circulação de idéias e um foco irradiador de discussão".
Vivendo a dificuldade de fazer arte no Brasil, Lia avalia que "não existe um mercado interno capaz de garantir a subsistência de companhias de dança. Estamos num país com graves problemas sociais e econômicos, e a situação do artista é reflexo disso". Ela não mede palavras para criticar "o modelo neoliberal escolhido pelo governo", que prevê "uma desorganização política da população e a ausência de programas culturais".
Nesse contexto, ressalta a importância da política de dança no Rio: "Há oito anos, o município do Rio tem uma política estabelecida para dança, com garantia de continuidade, que tem produzido resultados palpáveis. Neste ano, também, o governo do Estado iniciou um projeto similar". Para a coreógrafa, exceto iniciativas raras como essas, existem apenas a de algumas instituições isoladas, com papel importantíssimo aqui e ali, "como o Sesc e o Itaú Cultural em São Paulo, por exemplo".
Para Lia, o diálogo entre artistas e políticos "tem de ser um processo contínuo. É uma questão política, e nos falta, no meio da dança, estar mais conscientes e mais unidos". Não há receita fechada, mas todo mundo sabe, afinal (ou deveria saber), que "o diálogo deve ser permanente entre os que fazem a política e os que fazem e concretizam a arte". O exemplo de Lia Rodrigues, seja como coreógrafa, seja como produtora, dá evidência de como é possível transformar essas palavras em atos; ou melhor: em dança.


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