São Paulo, terça-feira, 25 de dezembro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LITERATURA

Autor do premiado e polêmico "La Virgen de los Sicarios" lança novo romance, em que narra morte do irmão

"Céline" colombiano prega fim de seu país

Associated Press
"Paisagem", do colombiano Fernando Botero, quadro que simboliza os efeitos da violência em seu país, tema tratado por Vallejo


SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA

"Nós nos parecemos muito: ele também se chamava Luis Fernando", brinca o escritor colombiano Fernando Vallejo, 59.
É assim que ele responde à crítica que frequentemente o compara ao francês Louis-Ferdinand Céline (1894-1961), autor reacionário, racista e que ficou conhecido por seu apoio ao nazismo.
Os livros de Vallejo são longos monólogos enfurecidos, em que o escritor não poupa insultos a conterrâneos -jovens ou idosos-, à Colômbia e à sua própria família.
Vallejo ganhou projeção com "La Virgen de los Sicarios" (1994), solilóquio homoerótico sobre o cotidiano violento dos sicários de Medellín, jovens contratados para matar. O livro foi levado às telas no ano passado sob a direção de Barbet Schroeder, em adaptação premiada nos festivais de Havana e Veneza.
Agora, Vallejo volta-se para seu próprio drama familiar. Seu novo romance, "El Desbarrancadero", que acaba de ser lançado nos países de língua hispânica pela Alfaguara (sem previsão de lançamento no Brasil), trata da morte de seu irmão, vítima de Aids.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista que Vallejo concedeu à Folha.

Folha - Quem são os vivos e quem são os mortos em seu novo romance, "El Desbarrancadero"?
Fernando Vallejo -
Eu sou um escritor morto. E esse é um livro que trata da morte do meu pai, da de meu irmão Darío e da minha própria. Ainda que esteja respondendo agora às suas perguntas e que isso pareça insólito, eu já me dei por morto. Estou desfrutando há muito tempo da santa paz, da santa morte, na "santa nada".

Folha - Seus livros têm tom confessional. Você sempre assume as opiniões de seus personagens?
Vallejo -
Eu só escrevo em primeira pessoa e só conto o que se passa comigo, não me sinto porta-voz de ninguém. O romance em terceira pessoa é o caminho mais trilhado da literatura. E eu desprezo o narrador onisciente, aquele que pretende que sabe tudo o que pensam os seus personagens e que tudo vê. Ele é um pobre filho de vizinho que se pretende Deus. Deus não existe, estamos sozinhos, e nunca choveu maná do céu. Tudo isso é fábula.

Folha - "La Virgen de los Sicarios" é uma crítica aos que fazem crítica social por meio da literatura?
Vallejo -
Não exatamente. A única coisa que eu realmente rejeito e critico é a reprodução humana. Acho que a humanidade não tem o direito de se reproduzir. Por sorte, nunca cometi o delito de ter filhos.

Folha - Sua narrativa é cheia de imagens. O cinema é influência?
Vallejo -
Quando me dedicava apenas ao cinema, acreditava que era uma arte. Hoje já não penso assim, o cinema foi uma linguagem artificial e novelística inventada pelo século 20. Dizem que uma imagem vale por mil palavras. Acho o oposto, com tudo o que têm de flexíveis e relativas, as palavras servem para dizer muito mais do que as imagens. Por exemplo, com quantas imagens se diz "eternidade"?

Folha - Você conheceu os sicários? Fez pesquisa para criar personagens como Alexis e Wílmar?
Vallejo -
Não, não fiz nenhuma pesquisa: arranquei-os de minha vida. Não acredite se ouvir que "La Virgen de los Sicarios" é uma ficção. Página por página, morto por morto, é um livro verdadeiro.

Folha - Acha que a literatura pode ajudar a Colômbia?
Vallejo -
A Colômbia não tem remédio, é um país mau por natureza: ladrão, mesquinho, assassino. O melhor que pode passar a ela é que se acabe.

Folha - Num passado recente, escritores latino-americanos envolveram-se com questões sociais e com a política (Ernesto Sabato, Mario Benedetti, Romulo Gallegos e outros). Acha que isso mudou?
Vallejo -
E de que serviu terem se metido na política? Por acaso algum deles levantou a voz alguma vez para defender os mais indefesos de todos, os animais? Os escritores "engagés", para usar o termo utilizado por Sartre, estão mais mortos que os dinossauros. A esquerda foi sempre uma mentira demagógica. E a literatura que se produziu a serviço dessa mentira é desprezível.


Texto Anterior: Net Cetera
Próximo Texto: Polêmica é meta do autor
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.