São Paulo, quarta-feira, 25 de dezembro de 2002

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"Sempre morremos e renascemos"

DA REPORTAGEM LOCAL

O nome de Aída Bortnik, 64, está por trás dos maiores sucessos do cinema argentino recente.
Ela é roteirista de "A História Oficial" (86), único título latino-americano a vencer o Oscar de melhor filme estrangeiro até hoje. Professora, teve entre seus alunos o (hoje amigo) cineasta Juan José Campanella ("O Filho da Noiva").
São dela também os roteiros de outros grandes êxitos nas telas argentinas, como "La Isla" (1979), de Alejandro Doria, "Tango Feroz" (1993) e "Cenizas en el Paraiso" (1997), ambos de Marcelo Piñeyro, o indicado do país ao Oscar 2003, com "Kamchatka".
Seu próximo roteiro será filmado por Rodrigo García, filho do Nobel colombiano de Literatura Gabriel García Márquez. Contará a história do cantor chileno Victor Jara, assassinado pela repressão da ditadura Pinochet, em 73.
Bortnik integra o Movimento Argentina Resiste, sigla que reúne intelectuais e artistas dispostos a uma ação política para ajudar o país a sair da crise.
De Buenos Aires, a roteirista falou à Folha sobre as várias mortes do cinema argentino e a necessidade de resistir. (SA)
 

Folha - A sra. concorda que o cinema argentino esteja vivendo uma nova onda de vitalidade?
Aída Bortnik -
Há um novo cinema argentino a cada cinco ou dez anos. Nos anos 70, nos 80, nos 90... Em cada um desses períodos se anunciou um novo cinema argentino. Ele está sempre renascendo, porque de fato sempre está morrendo.
Não acredito nesses ciclos de novo cinema argentino. O que creio é que existam novas camadas de cineastas, felizmente. E que em todas elas há obras mais interessantes que outras.

Folha - Por que o cinema argentino está sempre morrendo?
Bortnik -
O problema -comum a toda a América Latina- é, entre outras coisas, de distribuição, de políticas de governo. O cinema às vezes tem apoio governamental e às vezes não tem apoio nenhum.
E fazer cinema sem dinheiro é impossível. O cinema é arte industrial. Não se pode cobrar ingresso para um filme que mal se ouve, por exemplo. O público já não tolera isso. Exige uma qualidade técnica, que é sempre cara.

Folha - O que levou os intelectuais do Movimento Argentina Resiste a se reunirem?
Bortnik -
O primeiro pensamento é sobre a banalização da cultura no mundo inteiro que significou a globalização -o fato de que todos vêem a mesma coisa, da mesma maneira, ao mesmo tempo. Isso devora identidades. A argentina teve uma identidade cultural muito rica e ainda tem expoentes dessa identidade.
A sensação por que estamos passando -de desprezo, de humilhação, de pobreza, de miséria, de corrupção- foi tão forte no país, que, muito tardiamente, muito depois que as pessoas comuns saíram às ruas para exigir trabalho e direitos, os intelectuais começaram a se perguntar onde estavam, qual era seu papel.
O mínimo que podíamos fazer era dizer que a cultura argentina existe e resiste a essa tentativa de enfraquecê-la, de desconhecê-la, de trivializá-la, de negá-la. Resiste a esse mandato de desaparição.
É disso que trata o movimento -de se reunir para pensar o que fazer para que nossa cultura não apenas não morra, como seja transmitida e gere novas expressões artísticas. Não se trata de defender os que já existimos e temos uma obra -e queremos seguir com ela, obviamente-, mas sobretudo de defender a possibilidade de que as novas gerações tenham alimentos suficientes para educar-se e educação suficiente para ter acesso à cultura.

Folha - E como pretendem alcançar esse objetivo?
Bortnik -
Sentimos que devíamos ir até as pessoas. Já não basta abrir uma exposição, fazer um show, estrear uma peça num teatro. É preciso ir aonde as pessoas estão e de onde não podem sair porque não têm dinheiro, não têm estímulo, não têm sapatos, não têm comida.


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