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Antunes faz "eterno retorno" a Nelson
Diretor retoma a obra do dramaturgo pela sexta vez ao anunciar a montagem de "Senhora dos Afogados" para 2007
De 1947, uma das peças míticas e "desagradáveis" do autor terá encenação apoiada no grotesco
e no expressionismo
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Um dos responsáveis por redimensionar a obra do dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-80), apanhá-lo pelo espinho e
pela raiz da "flor de obsessão",
Antunes Filho volta pela sexta
vez ao autor no segundo semestre de 2007. Vai levar ao palco
"Senhora dos Afogados", escrita em 1947.
Suas últimas incursões foram "Nelson 2 Rodrigues", de
1984 (junção das peças "Toda
Nudez Será Castigada" e "Álbum de Família"), e "Paraíso
Zona Norte", de 1989 ("Os Sete
Gatinhos" e "A Falecida"). Os
espetáculos decalcavam dos
personagens o inconsciente coletivo com o qual Antunes, 77,
balizou seu palco na década de
80 e parte da de 90, extasiado
pela teoria dos arquétipos do
suíço Carl Gustav Jung (1875-1961), contraponto ao inconsciente individual freudiano.
Aliás, estaria o encenador em
movimento de "eterno retorno", para lembrar o mito do romeno Mircea Eliade (1907-86),
outra fonte recorrente? "A Pedra do Reino", que adaptou do
romance de Ariano Suassuna e
reestréia em janeiro, apresenta
traços picarescos umbilicais
em relação a "Macunaíma"
(1978), de Mário de Andrade.
"Levantar o Nelson agora é
importante. Ainda há muito
desentendimento a respeito
dele", diz o diretor. "Querem
torná-lo um autor somente
pornográfico e reacionário, de
novo. De vez em quando, é bom
reafirmar que ele é um grande
poeta", avalia.
Prestes a completar 25 anos à
frente do Centro de Pesquisa
Teatral (CPT), em 2007, braço
do Sesc em São Paulo, Antunes
decidiu ir ainda mais a fundo
no universo mítico rodriguiano
que já visitara em "Álbum de
Família".
Também fazem parte do
agrupamento das chamadas
"peças míticas" (ou "desagradáveis", como dizia o autor) as
obras "Anjo Negro" e "Dorotéia". Essa classificação dos 17
textos de Nelson para teatro foi
proposta nos ano 80 pelo crítico Sábato Magaldi -e endossada pelo autor. Ela compreende
ainda as "peças psicológicas" e
as "tragédias cariocas".
As "Peças Míticas" foram escritas entre 1945-49 e têm em
comum a influência estrutural
das tragédias gregas. Antunes
brinca que, na largada, já se
adentra "Senhora dos Afogados" em desvantagem, dadas as
sombras que a acompanham,
como "Electra Enlutada", de
Eugene O'Neill, e "Orestéia", de
Ésquilo, influências de Nelson.
O mar é um personagem invisível em "Senhora...", mas
"próximo e profético, que parece sempre estar chamando os
Drummond, sobretudo as suas
mulheres", como diz a rubrica.
Na casa dos Drummond, ou
as pessoas se afogam (o filho)
ou são afogadas (as irmãs Dora
e Clarinha) por Moema, que
deseja ser a "filha única" do pai
e chega mesmo a conspirar para a morte da mãe. Chefe da família, o juiz Misael idealizava a
castidade e a fidelidade do clã,
mas o próprio traíra e matara
uma prostituta 19 anos antes,
com golpes de machado no pescoço. Perde-se o paraíso e jaz o
romantismo desencantado.
"Essa peça está varrida de
suicidas, incestuosos, adúlteras
e insanos. (...) Num mundo como o nosso, definitivamente
infeliz e doente, é quase uma
obrigação ser também infeliz,
também doente. Permito-me
uma comparação: rir neste
mundo é o mesmo que, num velório, acender um cigarro na
chama de um círio", escreveu
Nelson no programa da primeira montagem. Foi em 1954, no
Rio, sob vaia e sob direção de
Bibi Ferreira. Até hoje, é das
menos montadas profissionalmente entre as 17.
Para Antunes, o subtexto dá
notícias de uma purificação por
meio da atrocidade. "Isso é Artaud puro", diz o diretor, citando o teatrólogo francês Antonin Artaud (1896-1948). "Nelson tem esse ímpeto libertário,
mas com muita ironia, muito
sentido brasileiro, não europeu, americano ou grego."
Recentemente, Antunes
montou obras de Sófocles e Eurípides, mas a tragicidade que
deve imprimir aqui depende de
"o herói escorregar na casca de
banana". Ou seja, sua opção declarada é pelo grotesco, pela
carnavalização. Admite que nutria resistência quanto a "Senhora...", que "não dava pedal
com seu clima pesado". A saída
é colar o horrível ao disforme.
"É burra a decisão de se fazer
um Nelson Rodrigues trágico e
mítico. Não se deve esquecer
que se trata de uma tragédia
brasileira na qual o grotesco é
fundamental. Se Shakespeare
sabia usá-lo tão bem, a comédia
no meio da tragédia, por que o
Nelson não pode fazer muito
mais? Ele não tem nada a perder; é brasileiro, latino-americano, não é um inglês."
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