São Paulo, sábado, 25 de dezembro de 2010

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CRÍTICA CONTOS

John Cheever cria mosaico desencantado

Mestre da narrativa curta, o escritor norte-americano fez um dos painéis mais vigorosos da vida americana

ALCINO LEITE NETO
EDITOR DA PUBLIFOLHA

O que fariam Gogol (1809-1852) e Tchékhov (1860-1904) "com um abrigo antibombas enfeitado com patinhos de gesso e três anões de jardim"? Como descrever "o esplendor de uma tarde de outono", depois de tantos séculos de prosa e poesia?
E qual o destino da literatura a não ser a parede dos banheiros, no mesmo lugar antes reservado à pornografia, que por sua vez se espalhou pela "esfera pública"?
Aqui começa o desafio e o trabalho de John Cheever: criar a literatura deste mundo pós-literário, que é também um lugar desencantado, insípido, afundado na banalidade, onde as paixões são tratadas "mais como uma exibição do que como uma aventura" e temos a "sensação horrorosa" de sermos personagens "de um seriado cômico de televisão".
É este mundo que compõe os "28 Contos de John Cheever", excelente reunião de narrativas do escritor americano feita pelo jornalista Mario Sergio Conti, a partir de um livro mais extenso de 1978 que se tornou best-seller nos Estados Unidos.
Autor de cinco romances, Cheever (1912-1982) foi sobretudo um mestre das histórias breves, como Maupassant (1850-1893) e Hemingway (1899-1961).
Alguém disse que essa inclinação pelo conto se devia ao fato de o autor não ter grande fôlego intelectual para o romance. Não creio que seja uma análise justa.
As histórias de Cheever compõem, na forma de um mosaico obsessivo, um dos painéis mais complexos e vigorosos da vida americana no período da Segunda Guerra e da Guerra Fria.
O foco principal dos contos é a classe média florescente daquele "país próspero e jovem", trancafiada nas casas confortáveis dos subúrbios, protegida pela opulência, o narcisismo e o provincianismo, indiferente aos perigos e aos grandes movimentos da história.
É gente cuja vida foi reduzida aos dramas mais minúsculos: casais emparedados pelo tédio conjugal, famílias fraturadas por disputas inúteis, as ameaças do divórcio, os encontros acidentais, as viagens desastradas, os vizinhos perversos...
Mais sociólogo do que psicólogo, Cheever vasculha e descreve este universo com tremenda argúcia e implacável objetividade, revelando seus pontos cegos, seus fantasmas e suas fraturas (por vezes trágicas), sempre minimizadas pela mentalidade conformista e pelo otimismo de ocasião.

HUMOR
O humor e o olhar moralista (não confundir com "moralizante") do escritor levam as histórias, por vezes, a se aproximarem da melhor sátira social, como em "O Enorme Rádio" e "O Mundo das Maçãs", duas das narrativas excepcionais do livro.
Conto após conto, o leitor não para de se impressionar com o gênio de Cheever para extrair de existências tão miúdas, monótonas e sem grandeza o assunto de tantas obras-primas.

28 CONTOS DE JOHN CHEEVER

AUTOR John Cheever
TRADUÇÃO Jorio Dauster e Daniel Galera
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 41 (360 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo


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