São Paulo, sexta, 25 de dezembro de 1998

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FORNADA DO MILÊNIO
Como é doce a vingança...

GERALD THOMAS
de Nova York

O jornalista que, depois disso tudo, ainda insistir em classificar os americanos de puritanos, ou usar qualquer tipo de clichê ou estereótipo para definir esse povo imprevisível, e em constante revolução, vai ter de se alistar (como estagiário) no quartel-general do Partido Republicano (praticamente em ruínas), ou virar correspondente no Vaticano.
Os EUA passam, para quem tiver paciência de notar, por uma gigantesca revolução comportamental. Aliás, a maior desde os anos 60, com Stockley Carmichael e seus Panteras Negras, os movimentos de contracultura, o anti- Vietnã, os hippies, os yippies. Já nas últimas duas eleições, o povo deixou bem claro que optava por um jovem, democrata, e que pouco estava se lixando para quem experimentou, ou não, a maconha, ou quem teve, ou não, relacionamentos extra- conjugais.
O apoio que Clinton recebeu logo depois que a maioria republicana no Congresso votou pelo seu impeachment é a maior manifestação "a favor" que qualquer presidente, em qualquer época, jamais recebeu.
Horas depois de "impeached", o povo cuspia na hipocrisia republicana e dava popularidade sem precedentes a Clinton, de 72%. Ah...como é doce a vingança! Ou seja, os valores americanos mudaram, e radicalmente. Se era o puritanismo "wasp" (white anglo-saxon protestant) que predominava em décadas passadas, agora é a vez da realidade nua e crua das minorias e das gerações educadas para desconfiar do Estado.
Gostem ou não, estamos entrando numa era bombástica, irônica e cínica, uma era perfeitamente "pós-Warhol", que mistura irreverência e desconfiança. O seu estabelecimento como nova ordem social elevará alguns nomes da vida americana, como James Carville e George Stephanopulous (pai e mãe de Abbey Hoffman e Jerry Rubin, respectivamente), Oliver Stone, Jerry Springer e Larry Flynt, cada um num ramo da mídia, a ícones.
Gostem ou não, essas figuras -com seu desnudamento incessante dos valores da tradicional família americana- varrerão, de vez, os republicanos da face da Terra, por iniciativa e culpa (ou cegueira burra) dos próprios republicanos.
Mentir ou não mentir, sob juramento ou qualquer outro pretexto civil e legalista, não está importando ao povo americano, pois os únicos que têm a perder com possíveis revelações sobre suas atividades sexuais, e toda pederastia e pedofilia que praticam, são os próprios acusadores de Clinton.
É o fim do "contrato de sigilo" (um legado do Império Britânico) que, até pouco tempo, operava em Washington. E é esse contrato que Larry Flynt acaba de revogar, oferecendo uma nota preta para quem oferecer dados sobre a vida sexual dos republicanos.
Ah....a revanche! Como é doce a revanche! O primeiro já se foi, não faz ainda uma semana. Bob Livingston, que teria sido o próximo "speaker" republicano no Congresso, foi-se. Apareceu -apavorado e covarde- perante os microfones para anunciar sua demissão e confessar o adultério. Obra de Flynt. Bravo!
Um a um vão cair os hipócritas. O macarthismo sexual, introduzido por esse partido em extinção, vai tornar o republicano uma espécie rara.
A guerra entre republicanos e democratas é a guerra dos velhos contra os jovens. Num futuro bem próximo, as vozes do Congresso que oram "gentleman" isso, "gentleman" aquilo (outro legado da falsidade britânica, cordial e redundante), vão retomar as questões (graves) que assolam esse e todos os países sobre o planeta.
Logo, logo, governos do mundo todo terão na "Washington revolucionária" um exemplo a seguir e acabarão com seu inútil e arrogante isolamento, e seus discursos nefastos e falsos nada mais serão senão uma sonoplastia do passado, assim como o piano desafinado que acompanhava filme mudo.
²

E-mail: geraldthomas@uol.com.br


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