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Dois momentos de Natal, na igreja e em casa
CARLOS HEITOR CONY
do Conselho Editorial
"Quando tudo repousava em
silêncio e a noite ia em meio de
seu curso, baixou do céu o Verbo que se fez carne." Palavras
do "Livro da Sabedoria", capítulo 18, versículos 14 e 15. Ninguém precisa ficar alarmado
que não vou cometer uma homilia natalina. Partindo de
quem parte, um sermão seria
obsceno em minha boca. Mas
não se pode falar em Natal sem
que se lembre aquele de 2.000
anos atrás.
"Subiu também José, da cidade de Nazaré, na Galiléia, à cidade de Davi, chamada Belém,
na Judéia, para ser alistado com
Maria, a qual estava para ser
mãe. E aconteceu que estando
ali, completaram-se os dias em
que ela devia dar à luz. E deu à
luz o seu filho primogênito e envolveu-o em panos, reclinando-
o em um presépio, porque não
havia lugar para eles nas estalagens."
"E naquela região havia pastores velando e guardando o seu
rebanho. E eis que apareceu
diante deles um anjo do Senhor
e a claridade de Deus os cercou
de esplendor. E tiveram grande
medo. O anjo disse-lhes: "Não
temais! Eis que vos anuncio
uma grande alegria. É que hoje
vos nasceu, na cidade de Davi, o
Salvador, que é Cristo, o Senhor. E este é o sinal para vós.
Achareis um menino envolto
em panos e reclinado num presépio.' E subitamente, apareceu
com o anjo uma multidão da
milícia celeste, dizendo: "Glória
a Deus nas alturas e paz na Terra aos homens de boa vontade'."
Os pastores -continuaria Lucas no evangelho da segunda
missa de Natal- não ficaram
esmagados diante dos anjos.
Tão logo receberam a boa nova
(e é bom deitar erudição lembrando que "evangelho" significa boa nova, quase que bossa
nova), os pastores reagiram como qualquer homem deve reagir diante de um aviso vindo do
céu: "Vamos até Belém e vejamos o que ali sucedeu". Era um
processo científico, o desses pastores em meio à imensa noite da
Judéia.
Piedosos proveitos podemos
tirar dessa simples história. A
começar pelo silêncio. "Dum
medium silentium." No meio de
um grande silêncio. Nada de
importante pode surgir no coração do homem que não seja fruto de um grande, um pesado silêncio. Nenhum Natal germinará em sua carne se não houver a
servidão do silêncio. Nenhum
amor será amor se não for amado em silêncio.
Mas não basta o silêncio. E
mais uma vez os pastores da Judéia dão o exemplo: "Transeamus usque as Bethlehem" (Vamos até Belém). Recebida a
mensagem, comunicado o
amor, não se pode ficar parado.
É necessário ir a algum lugar,
atravessar os caminhos para
chegar. O amor é uma chegada.
E outra lição poderíamos extrair do Natal. Os Reis Magos
também viram o sinal no mesmo céu e deixaram suas distantes terras para adorar o Menino-Deus. Mas não vieram com
as mãos vazias. Trouxeram incenso, ouro e mirra. "Vidimus
stellam ejus in Oriente et venimus cum muneribus" (Vimos a
sua estrela no Oriente e viemos
com presentes para adorá-lo).
Ao amor é preciso dar. Nascido no silêncio, exigindo a travessia de todos os caminhos, o
amor também solicita que nossas mãos estejam cheias de incenso, ouro e mirra.
Se há mensagens no Natal, essa sobretudo diz respeito aos
que amam: o amor tem de ser
silencioso, laborioso e pródigo.
Ruído, preguiça e mão avara
não servem nem para amar a
Deus nem para amar o amor.
O menino começou a perceber
o que estava acontecendo. Havia meses que o pai não aparecia e a mãe vendia coisas da casa para comprar comida.
O Natal encontrou o garoto
alarmado, mas a mãe garantiu
que tudo correria bem, tanto o
Papai Noel quanto o outro pai,
o de verdade, apareceriam no
momento oportuno -e ele teria
um Natal igual ao das outras
crianças e de outros anos.
A mãe armou sozinha a árvore. Não ficou bonita, as luzes deram curto-circuito e não mais se
acenderam. O garoto pensou
que o pai ainda chegaria a tempo de dar os últimos retoques e
todas as luzes, então, se acenderiam.
E o menino retardava a hora
de ir para a cama, esperando
que o pai entrasse pela sala
cheio de embrulhos. No dia seguinte, o menino ia ao quarto
dos pais e encontrava a mãe sozinha, na cama vazia.
Até que o menino soube que o
Natal havia chegado. A mãe
saíra com uma sacola cheia de
coisas da casa, voltou ao meio-
dia com alguma comida, castanhas, um pacotinho de passas.
"- E o pai?"
"- Estive com ele na cidade,
fique descansado, vai aparecer,
não nos deixará sozinhos nesta
noite."
Quando a tarde caiu, outras
árvores de Natal se acenderam,
só a do menino ficou escura, ele
nem abriu as janelas da frente,
para que ninguém soubesse que
a sua árvore não tinha luzes e
era a mais feia, a mais escura
da rua e do mundo.
De repente, se fez um grande
silêncio. Todas as crianças dormiam e Papai Noel devia estar
percorrendo as casas dos outros
meninos. Ele foi à árvore de natal, encontrou-a em sombras,
vazia.
Quando o dia clareou, evitou
ir à janela, ver o festival de brinquedos que rolava lá fora. A
mãe chamou-o para o café de
todas as manhãs, cada vez mais
ralo, pão há muito sem manteiga.
Olharam-se em silêncio e ele
compreendeu tudo.
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