São Paulo, segunda, 26 de janeiro de 1998.



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TELEVISÃO
Série com Ellen DeGeneres, exibida no Brasil pelo canal pago Sony, ganhou novos roteiristas
Novo "Ellen" satiriza homossexualidade

Ellen DeGeneres, primeira estrela declaradamente lésbica, que conquistou audiências recorde na TV do "The New York Times"

Depois que Ellen DeGeneres fez história na temporada passada como a primeira estrela declaradamente lésbica no horário nobre e conquistou audiências recorde no processo, a pergunta para os seus produtores era óbvia: como manter o ímpeto?
A resposta nesta temporada foi um novo "Ellen", exibido no Brasil pelo canal de TV paga Sony, que trata quase todo o tempo sobre o que é ser gay nos EUA. O resultado foi irritar alguns heterossexuais. "Vocês não conseguem fazer um programa que não seja sobre ser lésbica?"
Mas os telespectadores homossexuais são quase unânimes, e muitos heterossexuais concordam com eles, na opinião de que uma "Ellen" franca é mais engraçada do que sua predecessora enrustida.
Para reforçar os efeitos dessa honestidade, há novos roteiristas trabalhando para a série que possuem duas das mais raras qualidades em Hollywood: senso de humor e disposição para satirizar as ironias implícitas da nova situação da personagem.
Não vamos exagerar sobre suas realizações: continuamos a falar de TV comercial e do horário nobre. Mas o novo "Ellen" está cheio de piadas que de fato fazem rir e é capaz de reviravoltas súbitas que são a um só tempo surpreendentes e reveladoras.
Ann Northrop, co-apresentadora do programa "Gay U.S.A.", na Gay Cable Network, diz: "É a diferença entre o dia e a noite -entre uma pessoa enrustida e alguém que, por fim, conquistou verdadeira auto-estima. Ela agora vive uma vida plena e tridimensional, em vez de ser a irritante caricatura que era. E há uma grande notícia: parou de gaguejar".
Um episódio recente deu aos roteiristas a chance de satirizar as ansiedades dos empresários da atriz Anne Heche quando ela se tornou a namorada oficial e pública de DeGeneres no começo do ano.
No episódio, sobre uma atriz (Emma Thompson) que é quase persuadida por Ellen a assumir, um produtor de cinema ultrajado declara: "Isso é um pesadelo! Emma Thompson vai anunciar ao mundo que é gay no meio da filmagem do meu filme. E se o estúdio cortar a verba?". Que era exatamente a pergunta que os amigos de Heche estavam fazendo quando ela declarou seu amor por DeGeneres, logo depois de assinar como co-estrela de um filme de alto orçamento com Harrison Ford.
Os censores internos da rede de TV ABC mantiveram a série nos noticiários, ao classificá-la, contra os protestos de DeGeneres, como TV-14 e com a advertência aos pais de que apresenta "conteúdo adulto".
Os roteiristas da série usaram a controvérsia a seu próprio favor comicamente, ao reverter as expectativas dos espectadores. Subitamente, um beijo heterossexual torna-se muito mais chocante do que um beijo gay, quando Ellen reencontra por acaso um antigo namorado e sucumbe à tentação de reviver o passado com ele. O mesmo episódio inclui a notícia de que "essas coisas nem sempre são definitivas".
Embora o programa tenha se tornado mais engraçado, também tornou-se mais político, dando aos Estados Unidos mais informação sobre os problemas e alegrias da vida gay do que o país jamais houvera recebido no horário nobre.
Quando Ellen tenta fazer amizade com a filha de sua nova namorada, pede que a menina descreva a sua vida "começando do começo".
"Fui concebida por inseminação artificial", responde a garota. "Minha mãe escolheu meu pai em um catálogo. Fui criada em um laboratório."
Mais tarde, a menina se irrita com Ellen porque "você nem deu um beijo de boa-noite nela em frente à sua casa".
"Você tem vergonha de ser gay?", pergunta a filha em tom exigente e com toda a honestidade de uma nova geração.
"Eu só não gosto de ser óbvia quanto a ser gay quando há tanta gente em volta que não o é", explica Ellen. "Quando eu estava crescendo, não era comum que os gays demonstrassem afeto em público."
"Puxa", exclama a filha, "você vem do passado!". O episódio termina com Ellen audaciosamente pegando na mão de sua nova namorada dentro de um elevador lotado.
Não é preciso dizer que essa abertura está levando os grupos conservadores à loucura, como no caso da declaração perfeitamente sensata do vice-presidente Gore de que o programa "levou os norte-americanos a ver a sexualidade de forma mais aberta".
A Coalizão Cristã disse que a declaração de Gore era "muito radical", mas a capacidade de "Ellen" para manter seu horário durante a temporada sugere que a sociedade norte-americana está finalmente adotando uma postura aberta a ponto de acomodar uma estrela de TV lésbica. Especialmente se ela se parecer exatamente com a prototípica garota da porta ao lado.
Enquanto isso, os defensores dos direitos dos homossexuais dizem que o programa fornece forte evidência de que uma das mais importantes mensagens do movimento é verdadeira: assumir é uma das coisas mais saudáveis que um homossexual pode fazer. Mesmo em Hollywood.


Tradução Paulo Migliaccio


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