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LIVROS/LANÇAMENTOS
"A CONFRARIA DO MEDO"
Publicada em 1935, obra ganha primeira tradução
Texto de Rex Stout provoca uma espécie de perplexidade
BIA ABRAMO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Esse não é um texto para fãs
de Nero Wolfe e/ou Rex Stout
e nem é recomendado para aqueles leitores que se interessam incondicionalmente por policiais.
Para os primeiros, se é que necessitam, a única informação que
porventura possa lhes interessar
no que vem a seguir é que esta é a
primeira tradução para o português do segundo romance de
Stout, publicado originalmente
em 1935, e considerado um dos
melhores casos de Nero Wolfe.
Para os segundos, basta, além
disso, dizer que trata-se de um
clássico "whodunit", ou seja, um
"quem-matou". Tem suspense
razoável, um detetive idiossincrático, um homem volumoso e sedentário, criador de orquídeas e
gourmet, que resolve mistérios
guiado por intuição e raciocínio
agudos como meio de sustentar
seus outros hábitos.
Vale como passatempo em
umas férias no campo ou na praia
(não muito curtas; o volume tem
páginas o suficiente para durar
uns bons três, quatro dias).
Para o leitor comum, entretanto, aquele que lê coisas variadas,
incluindo um ou outro policial
eventualmente, "A Confraria do
Medo" é uma espécie de paradoxo. A história, um tanto alongada
e algo confusa, gira em torno de
um grupo de ex-alunos de Harvard que imaginam-se perseguidos por um ex-colega.
Esse ex-colega supostamente
perseguidor, há 25 anos, era um
calouro que fica coxo ao sofrer
um acidente durante um trote imposto pelos mais velhos. Quando
dois deles morrem e o resto do
grupo desafiador começa a receber cartas com poemas ameaçadores, as suspeitas recaem sobre o
ex-calouro, agora um escritor.
A princípio, é uma leitura de entretenimento, daquelas sobre as
quais se diz que "não precisa pensar". Mas, à medida que as páginas vão se sucedendo e a distração
não acontece, nada mais resta a
não ser se pôr a pensar e tentar
descobrir a razão do incômodo.
Mesmo lembrando da data original de publicação do romance
(1935), salta aos olhos a inatualidade de Stout. Para o autor, o crime é obra de um homem superior, ou melhor, que ousa se imaginar superior até ser confrontado pelo verdadeiro homem superior, que é o detetive, cuja função
será a de quebrar-lhe a empáfia de
ter se imaginado mais inteligente.
Portanto, o resto do enredo,
diálogos, personagens e, em última instância, o crime, serve apenas para que o brilho do intelecto
poderoso do detetive apareça.
Stout e seu Nero Wolfe não estão sozinhos nessa vertente (o
Dupin, de Edgar Allan Poe, e o
Sherlock Holmes, de Conan Doyle, o precedem), que foi mais ou
menos ultrapassada após a história de mistério tornar-se proletária com Dashiell Hammett.
O negócio é que Stout subordina todo e qualquer aspecto da história ao pedantismo de seu detetive, o que faz do quebra-cabeças
que ele tem a desvendar um mero
pano de fundo desinteressante.
A armação da narrativa, conduzida pelo secretário de Wolfe, Archie Goodwin, cheia de elipses,
detalhes escondidos, efeitos despistadores e conclusões falsas deixa ao leitor como única alternativa assumir o ponto de vista de
Goodwin: admirador, subserviente e francamente bajulador.
Enquanto a excentricidade mais
atormentada de Sherlock Holmes
põe o leitor meio à vontade, os hábitos mesquinhos e pretensamente aristocráticos do americano
Wolfe cheiram a antipatia.
Some-se a isso manifestações de
misoginia (tanto explícitas nas falas e atitudes do detetive e de
Goodwin, como implícitas do autor) e de pesado preconceito de
classe e tudo o que provoca a leitura de "A Confraria do Medo" é
uma espécie de perplexidade:
qual era mesmo a idéia de diversão e/ou entretenimento que estaria por trás disso?
A Confraria do Medo
The League of Frightened Men
Autor: Rex Stout
Editora: Companhia das Letras
Tradutor: Álvaro Hattner
Quanto: R$ 28 (364 págs.)
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