São Paulo, sábado, 26 de janeiro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIVROS/LANÇAMENTOS

"A CONFRARIA DO MEDO"

Publicada em 1935, obra ganha primeira tradução

Texto de Rex Stout provoca uma espécie de perplexidade

BIA ABRAMO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Esse não é um texto para fãs de Nero Wolfe e/ou Rex Stout e nem é recomendado para aqueles leitores que se interessam incondicionalmente por policiais.
Para os primeiros, se é que necessitam, a única informação que porventura possa lhes interessar no que vem a seguir é que esta é a primeira tradução para o português do segundo romance de Stout, publicado originalmente em 1935, e considerado um dos melhores casos de Nero Wolfe.
Para os segundos, basta, além disso, dizer que trata-se de um clássico "whodunit", ou seja, um "quem-matou". Tem suspense razoável, um detetive idiossincrático, um homem volumoso e sedentário, criador de orquídeas e gourmet, que resolve mistérios guiado por intuição e raciocínio agudos como meio de sustentar seus outros hábitos.
Vale como passatempo em umas férias no campo ou na praia (não muito curtas; o volume tem páginas o suficiente para durar uns bons três, quatro dias).
Para o leitor comum, entretanto, aquele que lê coisas variadas, incluindo um ou outro policial eventualmente, "A Confraria do Medo" é uma espécie de paradoxo. A história, um tanto alongada e algo confusa, gira em torno de um grupo de ex-alunos de Harvard que imaginam-se perseguidos por um ex-colega.
Esse ex-colega supostamente perseguidor, há 25 anos, era um calouro que fica coxo ao sofrer um acidente durante um trote imposto pelos mais velhos. Quando dois deles morrem e o resto do grupo desafiador começa a receber cartas com poemas ameaçadores, as suspeitas recaem sobre o ex-calouro, agora um escritor.
A princípio, é uma leitura de entretenimento, daquelas sobre as quais se diz que "não precisa pensar". Mas, à medida que as páginas vão se sucedendo e a distração não acontece, nada mais resta a não ser se pôr a pensar e tentar descobrir a razão do incômodo.
Mesmo lembrando da data original de publicação do romance (1935), salta aos olhos a inatualidade de Stout. Para o autor, o crime é obra de um homem superior, ou melhor, que ousa se imaginar superior até ser confrontado pelo verdadeiro homem superior, que é o detetive, cuja função será a de quebrar-lhe a empáfia de ter se imaginado mais inteligente.
Portanto, o resto do enredo, diálogos, personagens e, em última instância, o crime, serve apenas para que o brilho do intelecto poderoso do detetive apareça.
Stout e seu Nero Wolfe não estão sozinhos nessa vertente (o Dupin, de Edgar Allan Poe, e o Sherlock Holmes, de Conan Doyle, o precedem), que foi mais ou menos ultrapassada após a história de mistério tornar-se proletária com Dashiell Hammett.
O negócio é que Stout subordina todo e qualquer aspecto da história ao pedantismo de seu detetive, o que faz do quebra-cabeças que ele tem a desvendar um mero pano de fundo desinteressante.
A armação da narrativa, conduzida pelo secretário de Wolfe, Archie Goodwin, cheia de elipses, detalhes escondidos, efeitos despistadores e conclusões falsas deixa ao leitor como única alternativa assumir o ponto de vista de Goodwin: admirador, subserviente e francamente bajulador. Enquanto a excentricidade mais atormentada de Sherlock Holmes põe o leitor meio à vontade, os hábitos mesquinhos e pretensamente aristocráticos do americano Wolfe cheiram a antipatia.
Some-se a isso manifestações de misoginia (tanto explícitas nas falas e atitudes do detetive e de Goodwin, como implícitas do autor) e de pesado preconceito de classe e tudo o que provoca a leitura de "A Confraria do Medo" é uma espécie de perplexidade: qual era mesmo a idéia de diversão e/ou entretenimento que estaria por trás disso?


A Confraria do Medo
The League of Frightened Men
  
Autor: Rex Stout
Editora: Companhia das Letras
Tradutor: Álvaro Hattner
Quanto: R$ 28 (364 págs.)




Texto Anterior: Cinema: Alemães dominam festival de Berlim
Próximo Texto: "Morte na Atlântida": Livro é bangue-bangue submarino
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.