São Paulo, sábado, 26 de janeiro de 2002

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"BIEDERMANN E OS INCENDIÁRIOS"

Peça detona solidariedade burguesa

KIL ABREU
CRÍTICO DA FOLHA

A Cia. São Jorge de Variedades retoma em "Biedermann e os Incendiários" o tema da alienação, em um projeto de inequívoca vocação política.
O texto de Max Frisch é fruto da sua inquietação diante da sociedade suíça do pós-guerra. Filho de uma nação próspera, nem por isso ignorou as contradições da aparente cordialidade burguesa de seus contemporâneos. No entanto, inventa uma dialética pouco interessada na didática e marcada pelo tom paródico, em flertes com o nonsense e o absurdo.
Cândido Biedermann, fabricante de uma falsa loção capilar, é um burguês regular, com posições conservadoras e nenhuma ambição de mudança. Se de um lado é movido pela crueldade justificada na defesa do patrimônio, de outro é tomado pelo sentimento de caridade (que, como o resto, tem explicações insuficientes na peça), ao abrigar no seu sótão dois maltrapilhos que manipulam galões de gasolina, em uma cidade tomada por incêndios criminosos.
Em "Biedermann", a Cia. São Jorge acha a medida justa da sua fala, ao dizer o texto usando elementos da cultura hip hop e buscando uma posição crítica menos ambígua do que a do autor.
A montagem de Georgette Fadel afirma o discurso da diferença de classes e povoa o imaginário com cenas de um universo ao mesmo tempo estranho e familiar, pronto a ir pelos ares no acender da primeira fagulha.
Boa parte dessa leitura vem da concepção para o trabalho dos atores, que se lançam à paródia, em coreografias propositalmente anedóticas, que superdimensionam o que seria, no jargão brechtiano, o "gestus" social dos personagens. Ainda assim, é claro o cuidado em não sobrepor o efeito cômico ao juízo crítico.
Com acento nas frases que apontam para a necessidade de mudanças, o coro de bombeiros, às avessas do exemplo grego, desacredita da fatalidade e apela para a leitura racional dos fatos, inclusive para além das linhas dos jornais, também em suspeita. A montagem faz do coro um uso mais que lateral. O artificialismo das entonações, os figurinos gritantes, as canções no melhor estilo dos programas de super-heróis servem para contrastar com a fé irredutível do burguês ilhado em sua solidariedade culpada.
Em qualquer dessas coordenadas (os incendiários, a família Biedermann, o coro de bombeiros), o trunfo do espetáculo é o entendimento que o elenco mostra sobre os significados da cena, quase uma condição diante do projeto da companhia. Os recursos formais não são dissociados da apropriação dos conteúdos, traduzidos aqui no claro desejo de intervenção e no vigor juvenil.


Biedermann e os Incendiários
    
Texto: Max Frisch
Direção: Georgette Fadel
Onde: teatro de arena Eugênio Kusnet (r. Teodoro Baima, 94, São Paulo, tel. 0/xx/ 11/ 256-9463)
Quando: sex. e sáb., às 21h30; dom., às 20h30
Quanto: R$ 10




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