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"BIEDERMANN E OS INCENDIÁRIOS"
Peça detona solidariedade burguesa
KIL ABREU
CRÍTICO DA FOLHA
A Cia. São Jorge de Variedades retoma em "Biedermann
e os Incendiários" o tema da alienação, em um projeto de inequívoca vocação política.
O texto de Max Frisch é fruto da
sua inquietação diante da sociedade suíça do pós-guerra. Filho
de uma nação próspera, nem por
isso ignorou as contradições da
aparente cordialidade burguesa
de seus contemporâneos. No entanto, inventa uma dialética pouco interessada na didática e marcada pelo tom paródico, em flertes com o nonsense e o absurdo.
Cândido Biedermann, fabricante de uma falsa loção capilar, é um
burguês regular, com posições
conservadoras e nenhuma ambição de mudança. Se de um lado é
movido pela crueldade justificada
na defesa do patrimônio, de outro
é tomado pelo sentimento de caridade (que, como o resto, tem explicações insuficientes na peça),
ao abrigar no seu sótão dois maltrapilhos que manipulam galões
de gasolina, em uma cidade tomada por incêndios criminosos.
Em "Biedermann", a Cia. São
Jorge acha a medida justa da sua
fala, ao dizer o texto usando elementos da cultura hip hop e buscando uma posição crítica menos
ambígua do que a do autor.
A montagem de Georgette Fadel afirma o discurso da diferença
de classes e povoa o imaginário
com cenas de um universo ao
mesmo tempo estranho e familiar, pronto a ir pelos ares no
acender da primeira fagulha.
Boa parte dessa leitura vem da
concepção para o trabalho dos
atores, que se lançam à paródia,
em coreografias propositalmente
anedóticas, que superdimensionam o que seria, no jargão brechtiano, o "gestus" social dos personagens. Ainda assim, é claro o
cuidado em não sobrepor o efeito
cômico ao juízo crítico.
Com acento nas frases que
apontam para a necessidade de
mudanças, o coro de bombeiros,
às avessas do exemplo grego, desacredita da fatalidade e apela para a leitura racional dos fatos, inclusive para além das linhas dos
jornais, também em suspeita. A
montagem faz do coro um uso
mais que lateral. O artificialismo
das entonações, os figurinos gritantes, as canções no melhor estilo dos programas de super-heróis
servem para contrastar com a fé
irredutível do burguês ilhado em
sua solidariedade culpada.
Em qualquer dessas coordenadas (os incendiários, a família Biedermann, o coro de bombeiros),
o trunfo do espetáculo é o entendimento que o elenco mostra sobre os significados da cena, quase
uma condição diante do projeto
da companhia. Os recursos formais não são dissociados da apropriação dos conteúdos, traduzidos aqui no claro desejo de intervenção e no vigor juvenil.
Biedermann e os Incendiários
Texto: Max Frisch
Direção: Georgette Fadel
Onde: teatro de arena Eugênio Kusnet (r.
Teodoro Baima, 94, São Paulo, tel. 0/xx/
11/ 256-9463)
Quando: sex. e sáb., às 21h30; dom., às
20h30
Quanto: R$ 10
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