São Paulo, sábado, 26 de janeiro de 2002

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LIVRO/LANÇAMENTO

Duras confissões

Em "A Mulher de Pedra", o paquistanês Tariq Ali aborda a decadência do Império Otomano de um ponto de vista feminino

Divulgação
O escritor paquistanês Tariq Ali, que lança o quarto volume de seu "Quinteto Islâmico" no Brasi


SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA

Desde o dia 11 de setembro, o escritor paquistanês Tariq Ali, 58, quase não muda de assunto. Jornais e TVs europeus e americanos o requisitam para ouvir sua opinião sobre os atentados terroristas aos EUA, o fundamentalismo islâmico, o Paquistão e a instabilidade política no sul da Ásia.
"Mas ainda não mudei de área", diz Ali, "sou um ficcionista". Seu novo livro, "A Mulher de Pedra", que sai este mês no Brasil, é o quarto volume de seu "Quinteto Islâmico", série de romances norteados pela história do Oriente.
O enredo se passa durante o século 19, no já decadente Império Otomano -que terminaria com a derrota na Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
A protagonista, Nilofer, pertence a uma tradicional família ligada à corte otomana. Depois de nove anos longe de casa, de onde saiu para casar-se com um professor grego, ela decide visitar os irmãos e o pai doente. A casa onde passou a infância continua igual, e a grande estátua abandonada, que ficava perto dela, ainda está de pé.
Esse monumento de pedra tornara-se local de confissão. No fim do dia, as mulheres da família confiavam seus segredos à rocha, como forma de aliviar o peso dos dramas cotidianos que viviam.
Tariq Ali viria participar do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, na semana que vem, mas desistiu ao ser informado de que participaria de um debate sobre o sistema de castas na Índia. "Achei que não era a pessoa certa para falar sobre o assunto", diz.
Leia os principais trechos da entrevista que o escritor concedeu à Folha, de Londres, onde vive.

Folha - Quais transformações do período mostrado em "A Mulher de Pedra" considera mais importantes para a história do islamismo?
Tariq Ali -
O declínio do Império Otomano é importante porque deixou no ar a questão que a história tem tentado responder: "Por que a Europa Ocidental atingiu a modernidade, e o Oriente não?".
A diferença está na estrutura do feudalismo europeu, que permitiu que corporações independentes se desenvolvessem em cidades até que o urbano se sobrepusesse ao rural. O estado islâmico foi burocratizado e centralizado por muito tempo. Isso era positivo, pois as pessoas se sentiam menos exploradas, mas dificultou o desenvolvimento do capitalismo.

Folha - Nilofer é a personagem principal do livro, mas ela atua pouco, por causa do papel da mulher na sociedade. Por que você preferiu o ponto de vista feminino para contar a história?
Ali -
Justamente porque, apesar das barreiras que existiam para as mulheres naquele mundo, elas permaneceram fortes e tiveram um papel muito importante por trás dos véus. Nilofer fala por muitas mulheres. Quando eu era garoto, no Paquistão, estava cercado de mulheres fortes. Minha mãe e suas irmãs faziam com que seus irmãos, sem exceção, parecessem figuras patéticas.

Folha - Contar histórias familiares é parte da tradição oral islâmica. Foi por isso que você optou por usá-las para construir o livro?
Ali -
Sim. A estrutura das "histórias-dentro-das-histórias" é uma antiga tradição árabe, levada à Andaluzia no século 8. O primeiro romance europeu moderno, "Dom Quixote", se inscreve nesta tradição. A idéia de "A Mulher de Pedra" é simples. A estátua abandonada é um terapeuta silencioso.

Folha - Em seus livros, os personagens sempre compreendem que vivem transformações históricas. Alguns anseiam por elas, outros tentam permanecer no passado. Neste livro, esses papéis são cumpridos por Nilofer e seu pai, certo?
Ali -
Sim, Nilofer quer a transformação, mas tem uma relação tensa com o nacionalismo, este fez com que seu marido grego fosse assassinado. Seu pai é contraditório como o império, quer a reforma, mas não muito.

Folha - Você terminou de escrever "The Clash of Fundamentalism". Como é este livro?
Ali -
Acabo de finalizá-lo. Faço um balanço da história islâmica e do imperialismo norte-americano. Retrato este último como a mãe de todos os fundamentalismos. O livro foi escrito para responder a (Samuel) Huntington e iniciar um diálogo com jovens muçulmanos. Sairá na Alemanha, Inglaterra e Turquia em março.

Folha - Desde os atentados, você vem falando na mídia sobre a situação internacional. Prefere fazer ficção ou análise geopolítica?
Ali -
O 11 de setembro fez com que eu quisesse muito opinar. Havia tanto lixo sendo dito na imprensa mundial que eu senti que era necessário combater a ignorância. Ainda bem que não havia uma imprensa como a nossa na época do Império Romano. Teríamos uma visão completamente falsa do mundo. Mas é claro que eu prefiro a ficção e não pretendo abandonar meus projetos.


A MULHER DE PEDRA. De: Tariq Ali. Editora: Record, 2002. Quanto: R$ 32 (320 págs.).


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