São Paulo, segunda-feira, 26 de janeiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Curador da Bienal de SP, alemão Alfons Hug inaugura no Rio "micareta" artística, exposição sobre Carnaval com artistas de quatro países

A arte do alalaô

CASSIANO ELEK MACHADO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Folião contumaz, desses de "Olha a cabeleira do Zezé" e derivados, o alemão Alfons Hug, 53, já tem no currículo desde desfile na Marquês de Sapucaí até a participação no núcleo de criadores do hoje imenso Carnaval de Berlim.
Agora o curador da Bienal de Arte de São Paulo resolveu abrir alas a uma nova modalidade momesca: uma "micareta" feita de vídeos, música eletrônica e artes plásticas. É a exposição "Carnaval", que será aberta hoje no Rio, ao som de tecno alemão.
Parte das comemorações de 15 anos do Centro Cultural Banco do Brasil carioca, a mostra reúne trabalhos de artistas vindos dos Estados Unidos, Alemanha, Suécia ou daqui da terra do samba.
Foi no Sambódromo, por sinal, que a coisa começou a pedir passagem. Hug importou, no Carnaval passado, uma delegação de artistas como o excêntrico quarteto As Four, radicado nos EUA, ou a dupla sueco-belga Miriam Bäckström & Carsten Höller.
Eles, e os demais artistas escalados pelo crítico alemão, deveriam criar obras especialmente para a mostra baseados em suas experiências momescas.
Completam o time de 13 atrações de "Carnaval" obras já existentes de Cássio Vasconcellos (que fotografara em 2002 de helicóptero uma cinzenta manhã de Carnaval paulistana), auto-retratos da dupla alemã Eva & Adele (casal que anda vestido sempre igual, ambos trajados como mulher, de cabeça raspada) e trabalhos do recifense Bajado.
São deste último duas exceções da exposição. Único artista "póstumo" (ele morreu em 1990, aos 78 anos), são dele também as únicas pinturas no CCBB. A ausência de tinta chama atenção por ter Hug anunciado que a pintura será a técnica predominante na próxima Bienal (veja texto ao lado), marcada para setembro.
"O conceito desta exposição é bem diferente do que tem a Bienal. A arte contemporânea é em geral muito cerebral. Queria aqui uma abordagem mais direta, pegar uma matéria-prima rica em imagens e transformar em artes plásticas", diz o curador.
O próprio "mestre-sala" da exposição afirma que em linhas gerais "Carnaval" não é contrário aos estereótipos carnavalescos. Quase todas as dez salas da mostra são fartas em cores, com traçados barrocos (não é à toa que Hug tem como próximo projeto, depois da Bienal, uma exposição sobre o barroco) e muitas imagens recolhidas nos desfiles da Sapucaí ou em festividades do gênero.
Um dos destaques é a estréia "museográfica" do cineasta cearense Karim Aïnouz. Na instalação "Se Fosse Tudo Sempre Assim", o diretor do filme "Madame Satã" (2002) faz uma releitura do Carnaval de Olinda.
Em telas de pano colocadas em uma sala iluminada por "gambiarras" de lâmpadas no chão coberto de purpurina e tendo como trilha sonora uma sonata de Beethoven, Aïnouz projeta quatro tipos de imagens.
Em uma delas, se reproduz imagens abstratas carnavalescas, em outra "retratos" (imagens mais ou menos fixas) de alguns foliões, na terceira cenas de momentos alegres dos festejos e, na maior de todas, a sequência mais marcante da mostra, tão somente um senhor sem camisa em um bailado solene e embriagado. "Quis retratar as últimas gotas de uma felicidade explícita", expressa o cineasta, que diz ser o momento mais triste de seu ano as primeiras horas da Quarta-Feira de Cinzas.
Se Aïnouz fez sua instalação com filmes 16 mm, foi com vídeo que a maioria obrou.
A videoinstalação, "técnica" predominante em "Carnaval", foi o formato usado por Marcel Odenbach (Alemanha), a dupla Maurício Dias & Walter Riedweg (Brasil/Suíça), o brasileiro Roberto Cabot e Andrea Fraser, americana de sólida carreira artística (bienais de Veneza, São Paulo e do Whitney Museum), que mostra "torre" feita de restos de fantasias cariocas e aparece em vídeo usando biquíni carnavalesco e dançando samba -ela já desfilou no Rio cinco vezes; se não é uma passista da Mangueira, não dança como Arnold Schwarzenegger.
Cabot também mostra mulheres dançando, mas em slow (quase parado) motion. "Judiths e Salomés", nome de sua obra, tem imagens de sambista em velocidade tão reduzida que são o que ele define como "uma quase volta à pintura", técnica mais usada pelo artista anteriormente. "Procurei com isso chegar a uma desconstrução do visível", diz.
Tudo o que ele "retraiu", artistas como "assume vivid astro focus" (pseudônimo do brasileiro radicado nos EUA Eli Sudbrack ) expandem. É dele a gigantesca obra redonda, psicodélica, sob a rotunda principal do CCBB. "Noves fora", é esse universo de cores e brilhos o que predomina no Carnaval do alemão Alfons Hug.


O jornalista Cassiano Elek Machado viajou a convite do CCBB

CARNAVAL. Quando: hoje (às 19h30), para convidados; de terça a domingo, das 10h às 21h; até 28 de março. Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (r. Primeiro de Março, 66, 1º andar, centro, Rio de Janeiro, tel. 0/xx/21/3908-2020). Quanto: entrada franca.



Texto Anterior: Programação de TV
Próximo Texto: Bienal já tem 70 artistas definidos
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.