São Paulo, sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

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crítica

Exageros enfraquecem adaptação

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Impossível assistir a "Perfume - A História de um Assassino" e não lembrar de "Polyester" (1981), de John Waters, clássico "trash" americano. O filme foi rodado com a tecnologia do "odorama". O público recebia uma cartela numerada e a raspava cada vez que determinado número aparecia na tela. Era só aproximar o nariz da cartela para sentir cheiros de pizza, perfume e coisas menos agradáveis.
"Perfume" seria um filme perfeito para ressuscitar o "odorama" -se não se levasse tão a sério. Mais de 20 anos depois do lançamento do best-seller de Patrick Süskind no qual é baseado, o filme mostra que o texto é, sim, de dificílima adaptação -muito mais pelas suas próprias limitações do que pela idéia de que o cinema, incapaz de reproduzir cheiros, seria uma forma de expressão limitada. A literatura também tem essa limitação, e se Süskind conseguiu produzir imagens literárias que remetiam ao prazer e ao desprazer do olfato, o cinema também poderia gerar imagens equivalentes.
Mas é aí que mora o perigo.
Pois a interpretação literal dessa expressão, "criar imagens", é um prato feito para um cinema de obviedades. O diretor Tom Tykwer cai nessa armadilha. Na tentativa de gerar, no espectador, a sensação do "cheiro", ele apela para os recursos mais óbvios, fazendo seu filme gritar, incessantemente: "Isso fede!", "Isso cheira bem!".

Exageros
Logo no começo se vê o obrigatório plano em que a câmera penetra uma narina humana. O nascimento do protagonista Jean-Baptiste Grenouille em um pestilento mercado de peixes é recordista em cenas de tripas. O exagero constante -a imagem sublinhada pela fotografia, pelos movimentos de câmera e mesmo pela música- não tira do resultado final a extrema frieza que marca o filme, refletindo uma incapacidade de exercer algum efeito sensorial no espectador.
Essas características culminam com um encerramento que tende para o ridículo. O destino de Grenouille, aprendiz de perfumista que se torna "serial killer", já era um tanto patético no livro, mas ficou mais risível quando traduzido em imagens. Se Tykwer tivesse levado a obra com um pouco mais de leveza e humor, quem sabe "Perfume" não teria se tornado uma experiência mais palatável para os olhos e ouvidos.


PERFUME - A HISTÓRIA DE UM ASSASSINO  
Direção: Tom Tykwer
Produção: Alemanha/França/Espanha, 2006
Com: Ben Whishaw, Alan Rickman, Rachel Hurd-Wood
Quando: em cartaz nos cines Interlagos, Tamboré e circuito


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