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crítica
Exageros enfraquecem adaptação
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
Impossível assistir a
"Perfume - A História
de um Assassino" e não
lembrar de "Polyester"
(1981), de John Waters, clássico "trash" americano. O filme foi rodado com a tecnologia do "odorama". O público
recebia uma cartela numerada e a raspava cada vez que
determinado número aparecia na tela. Era só aproximar
o nariz da cartela para sentir
cheiros de pizza, perfume e
coisas menos agradáveis.
"Perfume" seria um filme
perfeito para ressuscitar o
"odorama" -se não se levasse tão a sério. Mais de 20
anos depois do lançamento
do best-seller de Patrick Süskind no qual é baseado, o filme mostra que o texto é, sim,
de dificílima adaptação
-muito mais pelas suas próprias limitações do que pela
idéia de que o cinema, incapaz de reproduzir cheiros,
seria uma forma de expressão limitada. A literatura
também tem essa limitação,
e se Süskind conseguiu produzir imagens literárias que
remetiam ao prazer e ao desprazer do olfato, o cinema
também poderia gerar imagens equivalentes.
Mas é aí que mora o perigo.
Pois a interpretação literal
dessa expressão, "criar imagens", é um prato feito para
um cinema de obviedades. O
diretor Tom Tykwer cai nessa armadilha. Na tentativa de
gerar, no espectador, a sensação do "cheiro", ele apela
para os recursos mais óbvios,
fazendo seu filme gritar, incessantemente: "Isso fede!",
"Isso cheira bem!".
Exageros
Logo no começo se vê o
obrigatório plano em que a
câmera penetra uma narina
humana. O nascimento do
protagonista Jean-Baptiste
Grenouille em um pestilento
mercado de peixes é recordista em cenas de tripas. O
exagero constante -a imagem sublinhada pela fotografia, pelos movimentos de câmera e mesmo pela música-
não tira do resultado final a
extrema frieza que marca o
filme, refletindo uma incapacidade de exercer algum efeito sensorial no espectador.
Essas características culminam com um encerramento que tende para o ridículo. O destino de Grenouille, aprendiz de perfumista
que se torna "serial killer", já
era um tanto patético no livro, mas ficou mais risível
quando traduzido em imagens. Se Tykwer tivesse levado a obra com um pouco
mais de leveza e humor,
quem sabe "Perfume" não
teria se tornado uma experiência mais palatável para
os olhos e ouvidos.
PERFUME - A HISTÓRIA DE UM ASSASSINO
Direção: Tom Tykwer
Produção: Alemanha/França/Espanha, 2006
Com: Ben Whishaw, Alan Rickman, Rachel Hurd-Wood
Quando: em cartaz nos cines Interlagos, Tamboré e circuito
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