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LIVRO - LANÇAMENTOS
Crichton exercita curiosidade em "Timeline"
DANIEL MENDELSOHN
do "The NYT Review of Books"
A bibliografia
apresentada no final do novo "eco-tecno-tempo-thriller" de Michael
Crichton traz os
nomes de 81 livros e artigos eruditos. Ouso adivinhar que são 81 a
mais do que constam no final de
qualquer outro romance "blockbuster" que é lido hoje nos saguões de espera dos aeroportos.
Esses outros romances não oferecem as informações altamente
especializadas presentes em "Timeline", mas é possível que incluam compensações que o leitor
não encontrará neste ou em qualquer outro livro de Crichton. Podem ser, por exemplo, personagens que não se resumam a um
nome, uma descrição física que
cabe em uma linha e uma característica marcante que os diferencie
dos dinossauros, gorilas assassinos ou executivas cheias de tesão
de livros anteriores do autor.
A bibliografia assustadoramente extensa deste novo livro, com
verbetes que abrangem desde a
construção de rodas d'água medievais até buracos negros, nos
faz ver, mais uma vez, que Crichton se interessa muito menos por
pessoas e suas motivações do que
por coisas e seu funcionamento.
Seus livros incluem pequenas
palestras sobre a patologia de vírus mortais ("O Enigma de Andrômeda"), o princípio de Bernoulli e seu papel na aerodinâmica ("Armadilha Aérea"), buracos
negros e tecnologia submarina
("A Esfera"), a evolução dos primatas superiores e o funcionamento complexo dos softwares de
reconhecimento de voz ("Congo"), a teoria do caos e a replicação do DNA ("O Parque dos Dinossauros") e muito mais.
Mesmo em "The Great Train
Robbery" fica claro que o que
mais atraiu a imaginação do autor
foi o funcionamento intricado de
um crime bem planejado. Em
"Revelação", não foram os fatores
humanos -desejo, poder, sexo-, mas os labirintos do poder
empresarial que seus personagens foram obrigados a percorrer.
São esses detalhes que tornam os
livros de Crichton tão divertidos,
conferindo um realismo documental contundente às histórias.
"Timeline" trata de um grupo
de estudantes de Yale que, graças
à máquina de viagens no tempo
criada por um físico quântico maluco, se vêem presos em abril de
1357, com parcos conhecimentos
de francês medieval e apenas 36
horas de prazo para voltar ao presente. Se o misto narrativo de
high-tech e retrô extremo fizer
você pensar em "O Parque dos
Dinossauros" -e, de fato, "Timeline" é o livro de leitura mais agradável que Crichton escreve desde
"O Parque dos Dinossauros" -, é
porque é um "O Parque dos Dinossauros" em roupagem medieval, em lugar de cretácea.
A teoria científica quente do
momento é o "teleporte" quântico, em lugar do sequenciamento
genético; o bilionário que quer
desafiar as leis do possível, Robert
Doniger, curte física, em lugar de
engenharia genética; os corajosos
protagonistas (o especialista em
Idade Média da Universidade de
Yale Edward Johnston e seus três
alunos, Andre, Chris e a loira
bronzeada Kate) se vêem presos
no tempo, e não no espaço, e os
vilões da história são cavaleiros
com nomes complicados como
sir Guy Malegant, em lugar de
répteis com nomes complicados.
Mas as diferenças param por aí.
As partes funcionais -os motores e as engrenagens- dos dois
livros são idênticas (e são, em essência, os mesmos motores e engrenagens que operam em "Congo", "A Esfera" e "Mundo Perdido"). Os livros de Crichton são
como experimentos de laboratório, cada um dos quais com suas
constantes estruturais previsíveis
e, para divertir o leitor (ou, o que é
mais provável, satisfazer ao mais
recente interesse intelectual do
autor), algumas variáveis de local,
teoria científica, nome de bilionário e espécie de vilão.
Devido à maneira como são
construídos, os livros de Crichton
costumam ser tão instigantes
quanto são as variáveis que ele escolhe. Isso ajuda a explicar o
enorme sucesso de "Parque dos
Dinossauros", "Mundo Perdido"
ou "Revelação" -afinal, ninguém jamais supera totalmente o
fascínio universal despertado pelos dinossauros, e, nos anos 90
pós-feministas, não havia assunto
de discussão mais divertido do
que o assédio sexual.
A aula de Idade Média que
Crichton nos oferece é bem mais
interessante do que as do colégio.
Com ele, você fica a par dos detalhes realmente bacanas, como as
opções de vestimenta dos cavaleiros que se arrumavam para disputar torneios e as obras quase
esotéricas criadas pelos chefs medievais, capazes de criar doces
com aparência de praticamente
qualquer coisa. "Os testículos foram muito bem feitos", comenta
um personagem, em tom de admiração, referindo-se a sua sobremesa.
A ausência de curiosidade que
Crichton manifesta em relação
aos humanos e suas motivações
internas o limita, mesmo como
escritor de ficção científica.
Curiosamente, a melhor ficção
científica escrita, de "Frankenstein" em diante, sempre tratou da
irrelevância fundamental da ciência -de como, afinal de contas,
ela não é capaz de resolver os
maiores problemas da humanidade, já que, por mais que a tecnologia se sofistique, a natureza
humana sempre permanece mais
ou menos a mesma.
Vinte e cinco anos depois de ler
a trilogia "Dune", de Frank Herbert, ainda me recordo dos nomes de seus personagens secundários. Mas será que alguém se
lembra dos nomes dos personagens de Crichton? Você se lembra, no máximo, da função narrativa que cumpriam e, talvez, dos
nomes dos atores que os representaram em suas inevitáveis versões no cinema: o cara representado por Jeff Goldblum, o personagem de Dustin Hoffman.
"Timeline" termina com Doniger denunciando a "mania de entretenimento" que domina a cultura americana, na qual os consumidores procuram uma "autenticidade" de experiência que nem
mesmo o mais sofisticado "artifício" é capaz de oferecer. A ironia
está justamente aí: poucos produtos de entretenimento são tão artificiais quanto os livros do próprio Crichton.
Tradução Clara Allain
Livro: Timeline
Autor: Michael Crichton
Editora: Knopf
Quanto: R$ 49 (450 págs.)
Onde encontrar: livraria Cultura
(www.livcultura.com.br)
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